Analogias e Versatilidade
**Acompanhar textos contendo trocadilhos e analogias e mensurar a exatidão do sentimento de quem escreve com clareza e sutileza. A atriz Lúcia Verissímo vem se destacando por atingir a maturidade escritural, postando textos que condizem com a realidade. Recomendo a leitura do Artigo abaixo.
SAUDADE
De longe te hei de amar- da tranquila distância em que o amor é saudade e o desejo, constância. (Cecília Meireles)
Acabo de olhar essa monstruosa lua soberana no céu e me resignei com o fato de que jamais conseguirei fugir da minha condição lunática.
Lua acaba me remetendo também (digo também para ficar claro que ela sempre me remete a um milhão de sentimentos diferentes) a uma sensação de nostalgia.
E falar sobre saudade é antes de tudo, um ato de coragem, porque é um sentimento de extrema complexidade pelas tantas formas que se apresenta.
Afirmam que saudade só existe na língua portuguesa. Eu fico duvidando dessa afirmação. Custo a aceitar que outros povos não consigam expressar com exatidão esse sentimento.
Em inglês se diz miss you. Miss numa de suas traduções é perder. Então poderíamos pensar que estarão dizendo “perco você” o que também pode significar a falta que você me faz. E por estar perdendo, está sentindo a dor da perda, da falta. E por conseqüência se chega ao sentimento da saudade.
Isso é uma lógica barata, mas pertinente.
Saudade então não passa de uma constatação da perda.
O que é saudade senão a privação de algo e quando esse algo é o amor, ai, ai, ai.
Dizem também que saudade é coisa de espírito desocupado. Como ocupar o espírito se ele está permeado de saudade? Eu não consigo. Meu pensamento fica como que tomado.
Podemos falar da saudade de um tempo. Lembro de várias partes da minha vida que me remetem a uma saudade de cheiros e luzes. Das tantas lembranças de infância, tem uma delas que me deixou uma cicatriz na palma da mão esquerda. Essa lembrança é recheada de fatores que me fazem sentir saudade.
Todos os dias, no final da tarde eu ia à pharmácia (escrevi com PH para lembrar também que nessa fase eu escrevia assim por pura influência da escrita de meu avô em seus livros geniais) buscar ampolas de injeção para as minhas experiências - fossem elas das famosas brincadeiras de médico (eu queria ser médica sim) ou para experiências diferentes (sobrava sempre para as minhas bonecas que viviam furadas). Era daquelas de vidro com tampa de borracha e um metal em volta. Coisa de época mesmo.
Correia, o farmacêutico amigo e querido como um tio, separava para mim, todos os vidrinhos usados no dia. Era uma tarde quente de verão. O Leblon (bairro do Rio de Janeiro, onde nasci e fui criada) tinha um ar de cidade do interior. Ruas tranqüilas e a minha ainda era sem saída. Imaginem a Rua Cupertino Durão sem saída?!
Na volta, o céu ficou com aquela luminosidade diferente de quando algo está para acontecer e o cheiro forte da mistura de terra e asfalto confirmava que chuva de verão ia desabar. E como sempre, num passe de mágica ela desarmou toda e qualquer possibilidade de fuga. Resolvi correr para chegar em casa menos encharcada, tropecei (me lembro até da fissura da calçada que me nocauteou) e caí de frente e com as mãos tentei salvar meu rosto. Os vidros que estavam na mão esquerda quebraram e rasgaram a minha carne e ali deixaram a marca que até hoje tem cheiro de chuva pra mim. Sinto saudade dessa época em que minha maior preocupação era se o Correia tinha dado muitas injeções naquele dia.
Saudade do que partiu desse plano. Essa saudade eu tenho centenas e quanto mais velhos ficamos mais constantes vão se fazendo. Parece até que vamos ficando mais habituados a elas. Essa é uma saudade que luto para não sentir. Ela é algo que fica como que amortecido. Como se um dia, poderei cobrar essa distância toda em outro plano. Em outra vida.
Mas a saudade do amor presente/ausente, essa, é complicada.
Encontro você, sou surpreendida pela sua invasão aos meus sentimentos, por esse acordar brusco e sensual do turbilhão onde se encontravam esses sentimentos.
Antes como perseguida, hoje persigo. Luto, me entrego. Invisto no que acredito e penso que ganho.
A saudade hoje tem um gosto diferente do tempo que não existia você completamente. Naquele tempo em que você ainda resistia. Hoje ela vem acompanhada de uma espécie de segurança. Como se a saudade pudesse ter tranquilidade. Mas não deixa de doer. De latejar, de gerar ansiedade de não permitir que nenhum outro pensamento se perfaça a não ser o que alcance você. O que tente desesperadamente encontrar uma brecha que me leve a você.
A saudade me toma como se nada mais pudesse durar.
Ela assalta a possibilidade de calma. De concentração. Ela apenas permanece como um buraco na boca do estômago que grita. Esse grito ecoa por todos os cantos do meu corpo de tão vazio que tudo dentro de mim se faz.
Esse vazio de você, daquela sensação de que tudo pode parar de acontecer se você ao meu lado está.
Da experiência de sentir que a vida toda pode ser uma rede bem macia, pendurada em ganchos de nuvens e que uma brisa com cheiro de madeira balança bem de mansinho o meu ser entregue. Sentir aquele sorriso que parece que é de outra boca do tanto que não se tem controle sobre ele.
Saudade só rasga. Só tira a impressão da possibilidade. Saudade só vale se for por um período muito pequeno. Tenho um princípio básico de sobrevivência, não gosto de me permitir sentir saudade por longos períodos, me soa como masoquismo. Então, vou desistindo de sentir a saudade.
E desistindo de sentir saudade, assim vou desistindo de você. De nós...
Você vai certamente encontrar em outros lugares o que irá te suprir e eu encontrarei no vazio de você os caminhos que irão me ensinar a sentir saudade menos dolorida. Saudade menos dolorida é não sentir a paixão. Não sentir que o amor é presença. Não sentir mais nada que tenha precisão.
Precisão de você, precisão de carnes trêmulas, de roxos, de balanços e saltos. De sobressaltos...
Lua, vá ao encontro do meu amor e diz o quanto está faltante. O quanto esse dia de hoje me fez lembrar do cheiro de uma chuva de verão que me deixou uma profunda cicatriz.
Diz assim: que ainda estou resistindo a dor da saudade, mas diz pra vir depressa para que eu não sucumba a raiva de não ter por perto meu alvo encantando. Diz pra não se atrasar para o nosso encontro de almas, diz também que merecemos experimentar o diferente.
E diga também, lua, que:
SE VOCÊ NÃO SE ATRASAR DEMAIS, POSSO TE ESPERAR TODA A MINHA VIDA (Oscar Wilde)
Acabo de olhar essa monstruosa lua soberana no céu e me resignei com o fato de que jamais conseguirei fugir da minha condição lunática.
Lua acaba me remetendo também (digo também para ficar claro que ela sempre me remete a um milhão de sentimentos diferentes) a uma sensação de nostalgia.
E falar sobre saudade é antes de tudo, um ato de coragem, porque é um sentimento de extrema complexidade pelas tantas formas que se apresenta.
Afirmam que saudade só existe na língua portuguesa. Eu fico duvidando dessa afirmação. Custo a aceitar que outros povos não consigam expressar com exatidão esse sentimento.
Em inglês se diz miss you. Miss numa de suas traduções é perder. Então poderíamos pensar que estarão dizendo “perco você” o que também pode significar a falta que você me faz. E por estar perdendo, está sentindo a dor da perda, da falta. E por conseqüência se chega ao sentimento da saudade.
Isso é uma lógica barata, mas pertinente.
Saudade então não passa de uma constatação da perda.
O que é saudade senão a privação de algo e quando esse algo é o amor, ai, ai, ai.
Dizem também que saudade é coisa de espírito desocupado. Como ocupar o espírito se ele está permeado de saudade? Eu não consigo. Meu pensamento fica como que tomado.
Podemos falar da saudade de um tempo. Lembro de várias partes da minha vida que me remetem a uma saudade de cheiros e luzes. Das tantas lembranças de infância, tem uma delas que me deixou uma cicatriz na palma da mão esquerda. Essa lembrança é recheada de fatores que me fazem sentir saudade.
Todos os dias, no final da tarde eu ia à pharmácia (escrevi com PH para lembrar também que nessa fase eu escrevia assim por pura influência da escrita de meu avô em seus livros geniais) buscar ampolas de injeção para as minhas experiências - fossem elas das famosas brincadeiras de médico (eu queria ser médica sim) ou para experiências diferentes (sobrava sempre para as minhas bonecas que viviam furadas). Era daquelas de vidro com tampa de borracha e um metal em volta. Coisa de época mesmo.
Correia, o farmacêutico amigo e querido como um tio, separava para mim, todos os vidrinhos usados no dia. Era uma tarde quente de verão. O Leblon (bairro do Rio de Janeiro, onde nasci e fui criada) tinha um ar de cidade do interior. Ruas tranqüilas e a minha ainda era sem saída. Imaginem a Rua Cupertino Durão sem saída?!
Na volta, o céu ficou com aquela luminosidade diferente de quando algo está para acontecer e o cheiro forte da mistura de terra e asfalto confirmava que chuva de verão ia desabar. E como sempre, num passe de mágica ela desarmou toda e qualquer possibilidade de fuga. Resolvi correr para chegar em casa menos encharcada, tropecei (me lembro até da fissura da calçada que me nocauteou) e caí de frente e com as mãos tentei salvar meu rosto. Os vidros que estavam na mão esquerda quebraram e rasgaram a minha carne e ali deixaram a marca que até hoje tem cheiro de chuva pra mim. Sinto saudade dessa época em que minha maior preocupação era se o Correia tinha dado muitas injeções naquele dia.
Saudade do que partiu desse plano. Essa saudade eu tenho centenas e quanto mais velhos ficamos mais constantes vão se fazendo. Parece até que vamos ficando mais habituados a elas. Essa é uma saudade que luto para não sentir. Ela é algo que fica como que amortecido. Como se um dia, poderei cobrar essa distância toda em outro plano. Em outra vida.
Mas a saudade do amor presente/ausente, essa, é complicada.
Encontro você, sou surpreendida pela sua invasão aos meus sentimentos, por esse acordar brusco e sensual do turbilhão onde se encontravam esses sentimentos.
Antes como perseguida, hoje persigo. Luto, me entrego. Invisto no que acredito e penso que ganho.
A saudade hoje tem um gosto diferente do tempo que não existia você completamente. Naquele tempo em que você ainda resistia. Hoje ela vem acompanhada de uma espécie de segurança. Como se a saudade pudesse ter tranquilidade. Mas não deixa de doer. De latejar, de gerar ansiedade de não permitir que nenhum outro pensamento se perfaça a não ser o que alcance você. O que tente desesperadamente encontrar uma brecha que me leve a você.
A saudade me toma como se nada mais pudesse durar.
Ela assalta a possibilidade de calma. De concentração. Ela apenas permanece como um buraco na boca do estômago que grita. Esse grito ecoa por todos os cantos do meu corpo de tão vazio que tudo dentro de mim se faz.
Esse vazio de você, daquela sensação de que tudo pode parar de acontecer se você ao meu lado está.
Da experiência de sentir que a vida toda pode ser uma rede bem macia, pendurada em ganchos de nuvens e que uma brisa com cheiro de madeira balança bem de mansinho o meu ser entregue. Sentir aquele sorriso que parece que é de outra boca do tanto que não se tem controle sobre ele.
Saudade só rasga. Só tira a impressão da possibilidade. Saudade só vale se for por um período muito pequeno. Tenho um princípio básico de sobrevivência, não gosto de me permitir sentir saudade por longos períodos, me soa como masoquismo. Então, vou desistindo de sentir a saudade.
E desistindo de sentir saudade, assim vou desistindo de você. De nós...
Você vai certamente encontrar em outros lugares o que irá te suprir e eu encontrarei no vazio de você os caminhos que irão me ensinar a sentir saudade menos dolorida. Saudade menos dolorida é não sentir a paixão. Não sentir que o amor é presença. Não sentir mais nada que tenha precisão.
Precisão de você, precisão de carnes trêmulas, de roxos, de balanços e saltos. De sobressaltos...
Lua, vá ao encontro do meu amor e diz o quanto está faltante. O quanto esse dia de hoje me fez lembrar do cheiro de uma chuva de verão que me deixou uma profunda cicatriz.
Diz assim: que ainda estou resistindo a dor da saudade, mas diz pra vir depressa para que eu não sucumba a raiva de não ter por perto meu alvo encantando. Diz pra não se atrasar para o nosso encontro de almas, diz também que merecemos experimentar o diferente.
E diga também, lua, que:
SE VOCÊ NÃO SE ATRASAR DEMAIS, POSSO TE ESPERAR TODA A MINHA VIDA (Oscar Wilde)
Fonte: Blog da Lúcia Verissímo
Post a Comment