INDICAÇÃO: A vida do astrólogo Walter Mercado é tema de documentário na Netflix
Dirigido por Kareen Tasch, Cristina Costantini e Alex Fumero, Ligue Djá - O Lendário Walter Mercado traz muitas revelações sobre o personagem
Durante uma gravação de novela, aconteceu o acaso feliz em sua vida. Como nos bastidores falava sempre sobre esoterismo e astrologia, um executivo da emissora pediu que fizesse uma experiência e lhe deu 15 minutos para falar de signos do zodíaco diante das câmeras. O sucesso foi tamanho que redefiniu a carreira do jovem ator.
Mercado criou um personagem que de fato caiu no gosto do público. Com visual andrógino e extravagante, conseguiu magnetizar as plateias com sua mensagem de paz e amor. O programa Walter, las Estrellas y Usted tornou-se o carro-chefe da emissora e levou seu protagonista ao estrelato.
No auge, Mercado conseguiu atingir um público diário de 120 milhões de espectadores, em diversos países, sustenta o documentário.
Tal êxito mereceria algum aprofundamento sobre o tipo de necessidade que as pessoas têm para garantir o sucesso do exótico astrólogo. Mas, nesse ponto, o filme permanece na superfície, no mero registro, correndo o risco de deixar meio insatisfeito o público de tendência mais analítica.
O clima alto-astral é quebrado por um episódio dramático na vida do personagem. Persuadido a assinar um contrato, Walter passou a seu então empresário, Bill Bakula, a posse e administração, em definitivo, de sua marca. Isto é, de seu nome.
Sem permissão dessa pessoa, Walter Mercado não podia, simplesmente, se apresentar como Walter Mercado, o que é uma situação kafkiana porém embasada juridicamente. Foram anos de batalha judicial - e prejuízo de milhões de dólares - até que ele conseguisse essa coisa simples que era reapropriar-se do seu nome próprio.
Outro ponto tocado com luvas de pelica é sobre a sexualidade do personagem. Perguntam sobre isso a ele mesmo, que garante ser seu sexo puramente espiritual. Em entrevista, um apresentador lhe pergunta se é virgem. Não sem humor, Walter responde: "Então eu seria último, não?".
Seus conterrâneos também são discretos. Uma das mulheres ouvidas cita um ditado de Porto Rico para justificar o silêncio: "Lo que se ve, no se habla" (O que se vê não precisa ser falado).
Muitas vezes citado como companheiro de Mercado, Willie Acosta garante que "jamais encostou um dedo em Walter". Willie, alguns anos mais moço que Mercado, é visto com frequência no filme como uma espécie de faz-tudo do astrólogo. Tomando café da manhã com ele, ajudando-o com o cabelo, as roupas e a espessa maquiagem que moldam a persona pública de Walter Mercado.
Outro ponto delicado é tocado de raspão. Às acusações de ter se tornado milionário vendendo ilusões a desesperados com suas linhas telefônicas de autoajuda, Mercado se defende: "Jamais afirmei que a pessoa se tornaria rica do dia para a noite, ou que arranjaria marido ou coisa assim. Elas sempre receberam palavras de inspiração e motivação".
Por fim, um Walter Mercado bastante envelhecido, aos 87 anos, é acompanhado em uma homenagem que recebeu em Miami. O peso da idade, a insistência em manter a aparência e a indumentária que o celebrizaram, dão um tom melancólico a esse desfecho.
Aprende-se muito sobre o personagem de Ligue Djá - O Lendário Walter Mercado. Menos, talvez, o essencial - o enigmático poder de comunicação entre ele e sua plateia. Gostaríamos de entender melhor essa equação: Mercado e o público que o idolatra. Mas, talvez, mesmo sem abordar de maneira aprofundada nesse vínculo, o filme nos tenha dado pistas de compreensão para relacionamento tão estranho.
Edição: Alek Brandão
Fonte: O Liberal (texto e imagem).
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