Crônica do Momento por Zélia Ducan

**O poeta paulista Celso Viáfora, que escreve muito bem e sempre oferece suas letras ao cantor Nilson Chaves, em uma de suas composições sobre Belém e entrevista à TV Cultura do Pará, falou da nossa capital como se fosse belenense ou belemense, como queiram e numa dessas letras ele diz: "Olhando Belém, enquanto na canoa desce o rio e o curumim assiste da canoa um boing rasgando o vazio...". Dá pra se comparar com esse texto assinado por Zélia Ducan que passeia pelas riquezas do Pará, dando a Belém a caracterização do sangue parauara que corre em nossa veias. Ganhei o dia recebendo esse texto, via Facebook do meu amigo Joaquim Belo da Silva, a quem chamo de "Quinca". Recomendo a leitura do artigo, por se tratar de uma retórica afinadíssima. (PV)




" Chove, chuva"!
Por Zélia Duncan
Quando deixei Belém, chovia. A chuva em Belém é como o dia e a noite. É certo que amanhece, é certo que anoitece, é certo que chove. Fura o bafo dos dias quentes e dá um refresco, ainda que momentâneo. Muitas vezes os pingos são grossos, mas ninguém se aperta. Pelo contrário, vi vários sorrisos pra falar do aguaceiro que cai, com uma aceitação familiar. A chuva faz parte da família, do pacote orgulhoso de ser paraense.
As praças são lindas e grandes, ao passar por uma delas o motorista diminui a velocidade, abaixa os vidros do carro e faz seu discurso. Me faz ver as pequenas pontes que unem um metro a outro, fala da delícia de passear por ali no começo da noite. E que ela é antiga. “A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim.” Há quanto tempo não me sento numa praça pra relaxar, em vez de ficar olhando pros lados, medindo os passos de quem passa um pouco mais perto, ou apenas cortando um caminho apressadamente?
Alguém de lá me diz que a nobreza paraense mandava lavar suas roupas na Europa. Inimaginável, não? Achei o máximo! Ganhei discos de cantoras mais antigas do Pará e até um Curupira de pano, com seus pés ao contrário. Figura folclórica, bem brasileira, tem o corpo perfeito, pronto pra ganhar o mundo e…
anda pra trás, ou numa outra leitura, não olha por onde pisa!
Outro conterrâneo, para que não pensem mal de seu justificado bairrismo, afirma, quase modesto, que dizem que eles têm não só o melhor sorvete do Brasil, mas do mundo… Não sabe se é verdade. 
Pois bem, eu atesto, é o melhor sorvete das galáxias! Sorvete de araçá, uxi, bacuri, sapoti e de um dos heróis daquela área, o açaí! A meu ver, as frutas estão entre as cinco grandes sacadas da criação, e as do Norte e Nordeste são assim, sempre novas, pra quem se contenta com Häagen-Dazs, que, aliás, está bem longe de ser desprezível! Mas ali, diante daquelas frutas, eu me sinto — isso, eu me sinto! E vou provando, tentando decifrar seus gostos e seus nomes, que encantam meu paladar e me enchem de Brasil, no melhor sentido.
Já que começamos pela sobremesa, vamos agora ao prato principal. Pegar um barco e, em dez minutos, aportar na Ilha do Combu, para um alegre almoço sobre as águas dos rios Guamá e Acará. Tudo em você agradece por estar ali, embora seja a vez do estômago. O restaurante não briga com a vegetação, e o barulho ritmado que de repente fez com que nos olhássemos era a água do rio dando uns socos embaixo de nossos pés, mostrando que tá viva, que somos uma grande minoria, ainda que bem-vindos! Um marzão de água doce e, bem ali do outro lado, a Manhattan do Pará, o skyline de Belém.
Na mesa, começa o desfile. Iscas de pirarucu, um bolinho de peixe premiado em algum lugar e eleito por mim mesma o melhor da História deste país. É simples, você pega com a mão e mergulha num molho amarelinho com jambú, outra especiaria onipresente na culinária daquele pedaço do Norte brasileiro. E pimenta branca de garrafa. E tome de tambaqui na brasa, filhote, farofa com grãos de tapioca e arroz de jambú, olha ele aí de novo, gente! Eu poderia ficar até o fim da minha cota de toques aqui descrevendo pratos e ingredientes. E tendo o prazer de relembrar palavras como tucumã, tacacá, tucupi, taperebá. Camarão rosa de água doce, unha de caranguejo, rosquinha de tapioca etc. etc. etc.
Mas tenho que falar da samaumeira, pra onde nos levou a adorável fotógrafa Elza Lima, enquanto tomava seu bom picolé de açaí! Uma árvore do tamanho de um prédio, que abriga em seus andares bromélias, pássaros, insetos, e abraça a terra com tentáculos de raízes impressionantes. Uma emoção que nos faz calar, diante de tamanha exuberância da natureza. Calar e pensar na vida que andamos levando. E nem falei do lugar de comida toda orgânica, (Iacitatá), onde cada ingrediente tem nome e endereço. Produtores pequenos, que se conhecem e dão valor ao acabamento de seus produtos. Queijo do Marajó, cachaça de jambu (!), peixe pescado sem arrastão. Tudo faz diferença, cada cuidado contribui para maior sabor, saúde e respeito com as gentes e a terra.
E ainda o Theatro da Paz. Lindo, majestoso, com seu palco de madeira velha, pisada por tantos sonhos.
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Aquela mordidinha na flor de jambu me deu barato forte, barato de amor pelo Brasil, dormência que se espalhou na minha língua e inundou meu coração, doido pra acreditar em alguma coisa que o identifique com o país que a gente jurava ser especial e único. Que antídoto poderoso encontrar pessoas alegres com sua cultura e suas raízes, apesar de tantos pesares. E nem falei do inacreditável mercado ao ar livre, o famoso Ver-o-Peso… que oferece em pequenos frascos cura para dor de dente e dor na alma. Com a mesma naturalidade e eficiência!







Edição: Roberto Lisboa


Fonte: Facebook/Joaquim Belo