ARTIGO DO DIA - Retóricas Afinadas
Passo metade do dia atendendo pacientes, metade do dia escrevendo e metade do dia atendendo pacientes. Quer dizer, uma matemática simples irá mostrar que estão faltando 12h no meu dia. Antes que passe pela sua cabeça que esse workaholismo todo foi o que motivou o título da crônica de hoje, bom, vá com calma. Deixe-me pelo menos apresentar as preliminares.
Noite dessas, entre um atendimento de emergência e o seguinte, pintou o assunto “sexo”. Sabe como é: sobre o quê um bando de pessoas de plantão pode conversar, às 2h35 da madrugada, para ficar 100% acordado e alerta enquanto a próxima urgência anunciada não chega? Sexo.
A discussão daquela noite surgiu quando uma das enfermeiras relatou para um pequeno grupo uma conversa que havia tido com a mãe. Em um acesso de sinceridade, ela se queixou que há muitos e muitos anos não “aprontava mais nada”. A filha ficou horrorizada. Afinal de contas, é de se esperar que “viúvas de respeito não pensem mais nessas coisas, né doutor?”. O vigia ao lado de uma maca completou: “Depois de uma determinada idade, a gente tem que desistir de certas coisas. É a vida!”.
Tentei argumentar, em vão. Era aquela história: você está completamente certo enquanto estiver concordando comigo. E minha opinião sobre o assunto não parecia concordar em coisa alguma com as ideias que a enfermeira fazia para a vida sexual da mãe, ou as previsões do vigia para o seu próprio e sombrio futuro na cama.
Infelizmente, as pessoas ainda preferem o apego estável dos velhos conceitos ao velório temporário da certeza. Um dos melhores exemplos disso é a noção geral de que o termo “velhice” seja algum tipo de sinônimo para “assexuado”.
Coisa pra vida
A sexualidade não está relacionada à sua capacidade reprodutora ou status marital: ela lhe acompanhará por muitos anos, mesmo quando você não for mais capaz de ter filhos ou estiver viúvo ou viúva.
Na Terceira Idade, a maioria das pessoas deseja e continua a ter uma vida sexual ativa e prazeirosa. Quando isto não é possível, resigna-se na tangente da abstinência. Mas até que ponto a abstinência sexual (voluntária ou não) pode fazer mal?
Considere o seguinte: seu corpo é constituído por cinco sistemas – cardiovascular, respiratório, digestivo, urinário e genital. Se, até a hora de morrer, você continuará a ter batimentos cardíacos e movimentos respiratórios, digerindo sua comida e produzindo excretas, por que então deveria abrir mão da função do aparelho genital?
Mero usuário
Que me critiquem os puritanos: tenho a consciência tranquila, não inventei o sexo, sou um mero usuário. Aqueles que tiverem reclamações, que as façam diretamente junto ao Fabricante.
O que se sabe, cientificamente, é que breves períodos de abstinência sexual nos homens resultam em aumento no volume e na potência do sêmen: três dias de abstinência completa são capazes de dobrar o volume do esperma, mas este efeito diminui e até mesmo se inverte após 7-10 dias.
Nas mulheres, a abstinência sexual prolongada pode resultar em ressecamento e perda da elasticidade dos tecidos vaginais. Se a abstinência durar vários anos, o fechamento do canal vaginal pode chegar a um ponto em que a relação sexual se torna praticamente impossível.
Melancolia
Apesar das alterações anatômicas e fisiológicas, o problema maior da abstinência sexual está na medida em que isso significa abster-se de um contato mais íntimo com outra pessoa. Este isolamento forçado, além de ser contra a nossa própria natureza humana (quem é uma ilha?), pode resultar em graves consequências psíquicas, como baixa autoestima, melancolia e depressão de difícil tratamento.
O segredo da satisfação (sexual inclusive) estará sempre em algum ponto entre ter demais e não ter coisa alguma – a vida, assim como a felicidade, exige equilíbrio, não extremos.
Fonte: Yahoo Notícias
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