CONVERSA FRANCA - O que dizem os famosos

Edição: PH

                                             DESEJO AFLITO
Lúcia Veríssimo, Atriz.
Ontem coloquei essa frase no twitter “É imoral pretender que uma coisa desejada se realize magicamente, simplesmente porque a desejamos”.

Na maioria das vezes o objeto de desejo se mistura com a ebriedade do próprio desejo, então começamos a confundir tudo e almejar que o nosso objeto de desejo esteja embriagado da mesma forma e intensidade que nós.

Somos mesmo ignorantes no que concerne a entender a causa que determina desejarmos algo. Principalmente quando esse algo, deseja outro objeto.

“Se as paixões se excitam no olhar e crescem pelo ato de ver, não sabem como se satisfazer; o ver abre o espaço ao desejo, mas ver não basta ao desejo. O espaço visível atesta ao mesmo tempo potência de descobrir e minha impotência de realizar. Sabemos o quanto pode ser triste o olhar desejante .” (Jean Starobinski)

Relendo o livro O Desejo algumas colocações me chamaram atenção nessa discussão sobre o desejo. Adauto Novaes faz uma colocação interessante, “O desejo é parte desse percurso do pensamento que procura apreender aquilo que nos escapa: da mesma maneira que o olhar, o desejo fascina, quer dizer, faz brilhar o fogo escondido.”

Pode fazer o fogo escondido se inflamar, mas o desencontro com o objeto de desejo nos arde de forma aflita.

Nesse mesmo livro Marilena Chauí fala que “Se, como o amor, o desejo se alça à plenitude, como desejo o amor é cada vez mais sospirar: lamento, ânsia, nostalgia e vem depositar-se nessa palavra que apenas a língua portuguesa teve o engenho e a arte de inventar, saudade”.

Então podemos concluir que saudade nada mais é do que desejo e que na mesma proporção, desejo é saudade. Sendo assim, desejo é sempre algo que jamais conseguiremos saciar. A insaciedade do desejo é que bagunça qualquer tipo de equilíbrio que podemos ter. Essa insaciedade deságua na insanidade, na perda da faculdade de perceber o quanto fugimos de uma possível estabilidade.

Por que desejamos, droga?

É pura prática do hedonismo. É estar incapacitado de distinguir entre as verdadeiras e as falsas necessidades, entre o verdadeiro e o falso gozo. Que nos submete a acreditar que o prazer individual e imediato é o único bem possível. Mas como pode ser individual se o objeto é o outro? Como transpor a esse objeto o que pertence somente a você?

Daí, temos que fazer um imenso esforço para tentar enxergar até onde é delírio ou realidade esse desejo pungente. Aqui quero chamar de realidade o que é possível, viável.

Aí Maria Rita Kehl diz “Mesmo sabendo que a natureza última do desejo é da categoria do impossível, do absoluto, do interdito – que são três maneiras de dizer a mesma coisa -, não é assim que se dá nossa experiência cotidiana como sujeito desejantes. ...não temos nenhuma garantia a respeito da nossa plena objetividade, ou seja: de que nossa percepção e representação não só dos objetos da realidade, mas principalmente das leis que regem as múltiplas relações entre esses objetos, e entre nós e “eles”, sejam percepções e representações reais.”

Caramba, já amei desesperadamente e sei que pude experimentar o maior amor da minha vida, pelo menos até o momento. Sei também que ele permaneceu como um fantasma por anos a fio para que eu, desavergonhadamente, o usasse como escudo. Assim, experimentava uma falsa sensação de segurança, pois o não mergulho profundo nas novas experiências também não deixavam o rastro de saudade e dor que muitas vezes o desfecho delas poderia provocar.

Que estupidez.

Também não acho que deixei de viver intensamente outras experiências, mas poderiam ter tido outro sabor.

Também aprendi que nosso amor pertence tanto e exclusivamente a nós mesmos. Que alimentá-lo quando é prazeroso e aniquilá-lo quando é doentio só depende de nós mesmos. Da nossa força, do nosso amor próprio e principalmente da nossa compreensão em aceitar que muitas vezes estamos dando pérolas aos porcos e deixando de receber deleites extraordinários.

Também já não tenho mais medo de perder algo que nunca foi meu.

Só queria poder administrar melhor as loucuras do meu desejo e assim gozar mais.

Fonte: Blog da Lúcia Veríssimo

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