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Edição: PH


Trabalho escravo ainda é real no Pará


“Morava no Piauí e lá a situação era muito difícil. Não conseguia arranjar um emprego e faltava tudo em casa. Um dia, um homem bem aparentado bateu na minha porta oferecendo um bom emprego e um bom pagamento. Aceitei na hora”. O relato é de Francisco José da Costa, 24 anos, agricultor que foi resgatado no final do ano passado, em Xinguara, sudeste do Pará, de condição análoga a de um escravo.
Sim, você leu a palavra “escravo”. Em pleno século XXI, milhares de pessoas em todo o Brasil estão reduzidas a essa condição. Não a mesma escravidão de senzalas, navios negreiros, legalmente extinta no Brasil em 13 de maio de 1888. Mas, outra, que também rouba a dignidade do ser humano, transformando-o em um instrumento descartável de trabalho em fazendas, garimpos, indústria, etc.
Francisco contou que só percebeu que caiu em uma armadilha quando chegou ao local onde iria trabalhar e viu as péssimas condições de trabalho. Com pouco tempo, o tratamento começou a mudar e ele começou a ter que se empenhar no trabalho para poder saldar dívidas. “Todo o pouco dinheiro que eu ganhava, eu tinha que usar para comer, senão morria de fome. Eles não me deixavam sair e eu tinha que trabalhar de manhã, de tarde e de noite. Dormia menos de duas horas por noite”, relembra.
O homem bem aparentado que bateu à porta de Francisco era na verdade um “gato”, um agenciador de mão de obra barata. O gato recebe o pagamento do tomador de serviço e se encarrega de contratar trabalhadores para realizar tarefas contratadas. “Geralmente, eles adiantam o dinheiro e oferecem promessas tentadoras aos trabalhadores, que não pensam duas vezes em aceitar a proposta”, disse Jani Silva, coordenadora da Comissão Pastoral de Terra no Pará (CPT-PA), uma das entidades que têm lutado contra o problema.
NÚMEROS INCERTOS
Ontem, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, além da CPT, representantes da Justiça do Trabalho e da Organização Internacional do Trabalho participaram, em Belém, do seminário “Trabalho Escravo no Pará, Desafios e Propostas para a Erradicação”.
Segundo a CPT, não há estatística exata sobre o número de trabalhadores em situação de escravidão no Brasil. Estima-se que sejam entre 25 mil e 40 mil. No Pará, entre os anos de 1995 a 2010, foram registradas 1.113 denúncias, atingindo 67 dos 144 municípios do Estado. As primeiras denúncias de formas contemporâneas da escravidão no Brasil foram feitas em 1971. Sete anos depois, a CPT denunciou a fazenda Vale do Rio Cristalino, então pertencente à montadora de veículos Volkswagen, no sul do Pará. O depoimento de peões que conseguiram fugir a pé da propriedade deu visibilidade internacional ao problema.
O Pará continua sendo um dos Estados que registra grande número de casos. No ano passado, foram 63 denúncias fiscalizadas e 562 pessoas foram resgatadas de situações de trabalho escravo no estado. Em 2008, foram 811 pessoas. Entre 2003 e 2010, as principais ocorrências foram registradas em São Félix do Xingu, Marabá, Rondon do Pará, Dom Eliseu e Pacajá. (Diário do Pará)

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