'Teatro on-line é teatro?', a discussão que permeou as artes cênicas em 2020

 




O teatro on-line é teatro? Essa foi a pergunta que tomou de assombro não apenas atores, atrizes, produtores, dramaturgos e diretores, mas também o público durante a pandemia pela Covid-19. Com os espetáculos suspensos em razão do necessário distanciamento social, o teatro teve que se reinventar.

A Cia de Teatro Madalenas, do Pará, foi uma das poucas atrações paraenses a participar do Potência das Artes do Norte (PAN), um festival de espetáculos on-line desenvolvido por produtores de Manaus, que, com a cobrança de ingresso, conseguiu remunerar artistas e fazer doações a entidades sociais. Em Belém, a República de Emaús foi contemplada. “Foi o primeiro festival de teatro on-line que aconteceu no Brasil. A experiência foi bem legal, tinha uma estrutura bem elaborada”, conta o coordenador-geral do Madalenas, Leonel Ferreira. Depois dessa experiência, o grupo não se apresentou mais e passou a investir o tempo elaborando projetos para concorrer em editais de auxílio emergencial à cultura.

'3 Atrizes' vídeo performance'3 Atrizes' vídeo performance (Divulgação)

A atriz Zê Charone, do Grupo Cuíra, reside nos fundos da casa teatro que leva o nome da companhia. A angústia do cotidiano de isolamento acabou fomentando um novo espetáculo, agora virtual, diante do espaço vazio, que, antes a plateia lotava. “Eu e as atrizes Monalisa da Paz e Pauli Banhos temos um grupo de Whatsapp, que virou um grupo de apoio para falar das nossas angústias. Foi passando o primeiro mês, fomos ficando desesperadas. Começamos a trocar vídeos do cotidiano e isso acabou virando uma performance teatral, como chamo, chamada ‘Três Atrizes’, que passamos a publicar no Instagram do Cuíra, todas as quartas-feiras. Fizemos 9 episódios”, recorda. “Foi algo que me salvou como atriz. Foi uma forma da gente expurgar o que tava sentindo”, desabafa.

Durante a pandemia, o grupo encenou apenas o espetáculo ‘Abraço’, drama com Zê Charone e Cláudio Barradas, que foi transmitido pelo Youtube. “Mas foi montado para o palco e não pra ser filmado. Tem uma deficiência ali”, avalia. Após essa experiência, o Cuíra conseguiu aprovar, na Lei Aldir Blanc, um projeto de exibição on-line com as atrizes Olinda Charone, Sônia Alão e Sandra Perlin, que será uma comédia sobre a fase sexagenária. A Casa Teatro Cuíra continua sem previsão de abrir as portas. “Quem sabe, quando houver vacina?”

Leonel, que também habita o Casarão do Boneco, destaca que o início da pandemia foi duro para os artistas, que enfrentaram a perda de entes queridos e a doença entre os seus habitantes. O Casarão possui 14 habitantes dos grupos artísticos In Bust, Madalenas, Sorteio de Contos, Vida de Circo, Produtores Criativos e Del’arte. Com as portas fechadas, a mostra mensal do espaço migrou para o Facebook, o “Amostra Aí”, com pedido de pedido de depósito em conta bancária na modalidade “pague quanto puder”.

“No início, ficamos atordoados. Nos primeiros meses do Amostra Aí Virtual, junho e julho, conseguimos pagar as contas, mas em agosto e setembro o público reduziu. Em outubro melhorou com a programação do Dia da Crianças e, em novembro e dezembro, voltou a dar certo”. Os artistas do Casarão do Boneco e os grupos foram contemplados com recursos da Lei Aldir Blanc para uma apresentação virtual, o que possibilitou planejar algumas ações para o próximo ano.

Três espetáculos serão apresentados no Casarão do Boneco, no estilo pague o quanto puderCasarão do Boneco (Divulgação)

Paraense em São Paulo

O ator, diretor, produtor e jornalista paraense Cláudio Marinho, que está com radicado em São Paulo há 16 anos, também teve que se reinventar durante a pandemia. Ele é gerente de programação do Teatro Folha, que também fechou as portas. “Foi iniciada uma grande discussão (no meio teatral), se é teatro ou não é teatro. Na minha opinião, não é teatro, porque o teatro exige comunicação e interação direta do ator com o público, isso caracteriza o teatro. Mas percebi que poderia ser um espaço novo de comunicação com o público e de exercício artístico, com a possibilidade de desenvolver uma linguagem que até então não estávamos preparados para trabalhar”, avalia. “A peça precisa ser repensada para o formato on-line. Não é uma adaptação, mas um espetáculo criado para apresentar na internet”.

Cláudio se junto com outra atriz e diretora, Viviane Bernard, e montaram dois espetáculos infantis baseados em contos indígenas: “Contos do Índio e da Floresta por Curupira” e “Contos do índio e da Floresta por Matinta Perera”. As lives cênicas, como denomina, ganharam figurino e cenário caprichados, montados na sala do apartamento dele. O projeto exigiu investimento em audiovisual e equipamento de som. Eles cumpriram uma temporada com exibição em uma plataforma de streaming e ingresso pago.

“A internet nos dá outras possibilidade de alcance do público”, considerou. Mas a realidade se mostrou adversa: “Notamos que muitas pessoas tinham dificuldade de acesso, algumas compravam o ingresso, mas não sabiam como assistir. Percebemos que esse público ainda está em formação. Foi uma experiência nova para nós artistas e também para o público”.

Em São Paulo, a dupla se inscreveu em editais de auxílio emergencial para a cultura. “É uma fase difícil, de muita incerteza”. O Teatro Folha decidiu migrar o Festival de Férias para o formato on-line, no qual “Contos do Índio e da Floresta por Curupira” será reapresentado às segundas-feiras, no período entre 11 de janeiro a 1 de fevereiro, às 17 horas, em uma plataforma de streaming, com venda de ingresso.


Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)

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