O adeus a João Carlos Pereira, um homem de fé

 Cronista, escritor e jornalista tinha no Círio de Nossa Senhora de Nazaré sua grande paixão



Mesmo nos últimos dias de sua passagem por esse mundo, João Carlos Pereira fez questão de escrever - coisa que ele fazia como ninguém - e demonstrar sua fé, como um bom homem de Deus e das palavras que era. "Senhor, o coronavírus é tão do mal, me levou, além das forças, do ânimo, da coragem, da saúde, parte das palavras que uso para rezar", começa em sua última crônica em forma de oração publicada em O Liberal, cuja última parte foi escrita à mão quando ele já estava na UTI.

Após tomar conhecimento de sua morte aos 61 anos na madrugada desta terça-feira (10), devido a complicações da Covid-19, amigos e familiares, mesmo sem saber, acabavam usando as mesmas palavras para descrevê-lo: amável, gentil e generoso. Membro da Academia Paraense de Letras, João usou seu dom para brindar o mundo com seu trabalho como jornalista, cronista e escritor, mas era por causa do Círio de Nazaré, sua grande paixão, que ele ficou conhecido do paraense, pois entrava em nossas casas todo segundo domingo de outubro para ceder informações que obtinha com muita pesquisa e amor pela celebração.

Bernardino Santos, companheiro de redação de décadas, disse que somente as palavras do poeta russo Vladimir Maiakovski poderiam chegar perto de uma descrição fiel do amigo: "’Comigo a anatomia ficou louca. Sou todo coração’. Ele era um verdadeiro irmão. Todas as vezes que eu viajava, ele era meu interino na coluna, além de um colaborador assíduo, trocando informações diariamente. Eu lamento muito mesmo, e só posso dizer que a coluna e O Liberal estão de luto. Derramamos um oceano de lágrimas pela perda dessa figura", disse.

Quando menino, pensou em ser padre, mas mesmo que tenha deixado essa ideia, vivia sua religiosidade no amor que pelo Círio, sendo um dos maiores pesquisadores da história da festa. "João era extremamente inteligente. Na semana que antecede o Círio, a gente fazia a reunião e ele passava todas as informações que tinha, as curiosidades que ele pesquisava tanto nas viagens ao exterior como por aqui. A perda dele deixa uma lacuna muito grande", disse a Chefe de Redação da TV Liberal, Simone Amaro.

Em nota, a Diretoria da Festa de Nazaré se despediu de João Carlos Pereira “com grande dor e reconhecimento pela sua amizade, sua contribuição desinteressada à festa anual que marca a fé dos paraenses”.

Se para os colegas de profissão e amigos ele já ficou marcado por sua amabilidade, para a família, João Carlos era um farol de bondade. "Ele tinha um jeito diferente de dar carinho: ele escrevia muito pra gente, pois sempre foi muito mais da escrita. Era muito carinhoso, do jeitinho dele, mais calado, mas demonstrava o amor todo dia com atitudes", conta a filha mais velha, Mariana Pereira, que teve as palavras reforçadas pela caçula, Beatriz. "Meu pai foi a pessoa mais amorosa que eu conheci na vida. Minha conexão com ele era de outro mundo. Era um ser humano de luz", disse a filha, que destaca ainda que mesmo internado na UTI, a preocupação de seu pai era a de sempre demonstrar seu carinho pelas pessoas que amava. 

"Recebemos inúmeras mensagens, e a gente percebe como o João era querido. Ele era meu companheiro de vida, e fomos muito, muito unidos. Coincidentemente, fui ao Hospital na sexta levar algumas coisas e o encontrei quando ele tava indo fazer um exame. Ele me olhou e disse 'Mi, eu tô com muita saudade de ti'", disse a viúva, Emília Farinha, que conta que as restrições de visitas devido ao coronavírus só aumentaram a saudade que era aliviada um pouco com chamadas de vídeo. Além dela, João Carlos Pereira deixa quatro filhas e uma neta.

De tão generoso, ele decidiu dividir seu talento com o mundo, atuando como professor e formando uma geração de profissionais. O governador Helder Barbalho, um dos inúmeros alunos, disse que João era "uma pessoa ímpar, que reunia em texto literatura e religiosidade". Para o amigo José Guilherme, professor da Unama, ele era mestre em se doar. "Ele sempre mostrou tendência pra crônica, e eu comparo a escrita dele à Eneida de Moraes, pois de uma coisa simples, ele fazia algo diferente. Além disso, sabia dividir; não 'escondia o jogo', ele compartilhava o que sabia com os alunos", explica o professor. 

João faz parte da história do Grupo Liberal, e por isso, o dia de sua partida foi de relembrar tudo que ele fez em várias frentes da comunicação e das artes na Amazônia. "Ele foi meu assessor na Fundação Romulo Maiorana, e tudo que vinha relacionado a arte, passava por ele. Como eu comecei muito jovem, o João foi me ensinando a como lidar com os artistas, e mais que isso, com o ser humano, pois arte é isso", disse Roberta Maiorana. 

Ainda em sua última crônica, João encerra pedindo a Deus e Nossa Senhora de Nazaré que olhem por quem está em situação pior que ele. “Não tenho dúvida, há gente sofrendo infinitamente mais do que este seu pobre filho no limite da ingratidão e do medo. Obrigado, meu Pai e minha Mãe”, disse o devoto, e é assim, com essas palavras que demonstram a tremenda generosidade que marcaram sua vida, nos despedimos de nosso amigo. Vá em paz, João.

Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)




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