'Querida Mamãe' faz uma declaração de amor em forma de livro

 




Histórias de família são sempre recheadas de alegrias, tristezas e curiosidades e vistas fora do contexto, muitas ganham outra dimensão. Por esse ângulo, o livro “Querida Mamãe” tem a virtude não só de contar a história da personagem central da obra, mas dos parentes, amigos e do próprio lugar onde ela nasceu, Vigia de Nazaré.

Carmem Dirce da Silva Palheta, a personagem, é uma dessas pessoas que, se não tivesse uma memória espetacular, representaria apenas mais uma família do interior. Ela completou 90 anos no dia 2 de setembro, não festejados como planejado por causa da covid-19, e seu presente foi um livro, do qual ela própria participa.

Idealizado pelo jornalista Nélio Palheta, filho da personagem da obra, é uma declaração de amor filial – de oito filhos, 16 netos e oito bisnetos. “Trata-se de um livro originalmente epistolar; era para reunir somente as cartas que troquei com minha mãe desde os anos 1980, mas acabou sendo uma obra de memória mais alentada produzida coletivamente”, conta Nélio Palheta.

Carmem Dirce e seu marido Benedito Palheta, que virou personagem de uma das crônicasCarmem Dirce e seu marido Benedito Palheta, que virou personagem de uma das crônicas (Álbum de família)

Todos os irmãos de Nélio pesquisaram documentos, checaram datas e nomes, levantaram fotos e documentos antigos. Carmen Dirmacy - a caçula da prole de oito - e Maria de Lourdes montaram as embalagens de tecido; Sávio fez a impressão serigráfica; a neta Silvana Saldanha criou a capa com uma colagem de foto sobre papel reciclado de filtro de café, material que dona Carmen Dirce usa para produzir flores e vasos.

As cartas reportam acontecimentos da vida comum da família Palheta, alguns tradicionais, como a Festa de São João, celebrada há mais de meio século. Tem textos da própria matriarca. Não sendo autor de todos os textos, Nélio foi o “organizador” da obra.

Além das cartas, o livro reúne ficção, crônicas e poesia. “Criei um conto em torno de uma das histórias da juventude da mamãe, uma das tantas que ela me contou em entrevistas ao longo de décadas”, relata o jornalista.

O organizador do livro, Nélio Palheta, com a mãe no dia dos 90 anos da matriarcaO organizador do livro, Nélio Palheta, com a mãe no dia dos 90 anos da matriarca (Álbum de família)

O caderno “Mulheres em campo” contém a história romanceada de um assunto que, desde a juventude, Carmen Dirce aprecia: o futebol. “Só recentemente conheci a origem do gosto da mamãe pelo futebol; ela não perde um RE X PA na televisão, muito menos da Seleção Brasileira. O futebol sempre esteve presente na história da família: papai foi atleta do Uruitá Esporte Clube e meu avô materno - que aparece como personagem do conto, tendo sido protagonista do acontecimento narrado - foi diretor do mesmo clube”, explica.

Nélio conta que não só sua mãe, quando jovem, ia ao campo de futebol; também as tias dela, em meados dos anos 1920, assistiam aos jogos dos dois times famosos de Vigia, o Luzeiro e o Uruitá, que neste ano completaram um século. O conto narra um acidente grave, durante um clássico entre os dois adversários, no dia 29 de abril de 1956: durante um temporal, a arquibancada do estádio desabou matando um homem e uma criança; mais de 40 pessoas ficaram feridas; o caso foi manchete dos jornais de Belém.

O prefácio da obra é uma crônica de outra jornalista da família, Carmen Palheta, a primeira neta de Dirce. E o prólogo é uma carta da neta Silvana Saldanha. A maioria dos filhos de Carmen Dirce participa da obra ricamente ilustrada com fotografias e reproduções de documentos.

“Querida Mamãe” foi uma produção artesanal; apresentado numa embalagem de linho cru com impressão serigráfica, tem 212 páginas distribuídas em 14 cadernos temáticos encadernados com fitilho; a tiragem foi pequena e os exemplares foram distribuídos aos parentes e amigos que seriam convidados para a festa de aniversário, que não houve. A edição ganhará uma versão digital, em breve.

“Talvez as pessoas se interessem por essa obra não por causa das histórias da minha mãe, mas por se verem também em trajetórias e causos parecidos, afinal, toda família tem sempre muita coisa para contar. E nem precisa escrever um livro, bastam rodadas de conversa à mesa da cozinha rescendendo porco ou peixe assados, e café com bolo de macaxeira, como acontecia na casa da minha avó, onde vivi parte da minha infância. Infelizmente, isso está ficando raro”, finaliza Nélio Palheta.


Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)

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