‘Os Gêmeos’ falam sobre visita à Amazônia e ajuda ao Norte durante a pandemia

 




Otávio e Gustavo Pandolfo sempre tomaram o espaço urbano como lugar de vivência e de pesquisa desde o início de sua produção, em meados da década de 1980. Os artistas partiram de uma forte imersão na cultura hip hop, que havia chegado ao Brasil no momento em que os irmãos começaram a produzir, e da influência da dança, da música, do muralismo e da cultura popular desenvolveram um estilo singular, com atmosfera alegre, que acabou se tornando um traço único nos espaços urbanos pelo Brasil e no mundo.

Com curadoria do alemão Jochen Voltz, a mostra “OSGEMEOS: Segredos” – que estava prevista para abrir em março e foi adiada por conta da pandemia do novo coronavírus – ocupa a Pinacoteca de São Paulo. A exposição pode ser conferida até 22 de fevereiro de 2021, de quarta a segunda, das 14h às 20h, sempre com horários agendados por meio do site da Pinacoteca. Os ingressos custam R$25 (inteira) e R$ 12,50 (meia-entrada) – exceto aos sábados, que têm entrada gratuita.

Artistas renomados, seus trabalhos contam histórias - às vezes autobiográficas - cujas tramas envolvem fantasia, relações afetivas, questionamentos, sonhos e experiências de vida. A partir da década de 1990, suas experimentações - não só em grafitti, mas também pintura em telas e esculturas estáticas e cinéticas - ultrapassaram os limites bidimensionais, culminando na construção de um universo próprio que opera entre o sonho e a realidade.

A exposição "OsGêmeos - Segredos" está aberta a visitação na Pinacoteca de São PauloA exposição "OsGêmeos - Segredos" está aberta a visitação na Pinacoteca de São Paulo (Levy Fanan/ Divulgação)

Para a mostra na Pinacoteca, o duo apresenta pinturas, instalações imersivas e sonoras, esculturas, intervenções site specific, desenhos e cadernos de anotações. Esses últimos, da fase ainda adolescente e apresentados ao público pela primeira vez, antecedem os famosos personagens amarelos, abrindo caminho para a compreensão da raiz de seu surgimento.

O corpo de obras invade o museu, ocupando as sete salas de exposições temporárias do primeiro andar, um dos pátios, diversos espaços internos e externos, além de uma instalação.

Confira uma entrevista exclusiva para O Liberal com a dupla

Vocês procuram desafiar convenções e forçar limites na arte e na sociedade, até onde vai este limite e de que forma?

Todo dia é um desafio. Criar é um desafio. E ter de desenvolver um novo projeto é sempre um desafio e nós gostamos disso. Viver de arte no Brasil não é fácil.

Qual é a diferença de quando começaram e hoje com a arte digital? Vocês acham que as pessoas estão menos manuais e mais mecânicas?

Você sempre tem que procurar um equilíbrio. A gente é o que é hoje e faz o que faz porque também nascemos em uma época diferente, porque se a gente tivesse a tecnologia que a gente tem hoje talvez não chegássemos ao resultado que chegamos... com toda a cultura hip hop a gente buscou nosso próprio caminho alternativo, que era diferente do que muitos estavam fazendo, para ter uma identidade própria.

Instalação realizada para o octógono da Pinacoteca de São PauloInstalação realizada para o octógono da Pinacoteca de São Paulo (Levy Fanan/ Divulgação)

Vocês acham que a tecnologia está a favor da arte?

Depende do jeito que você olhar, porque com a tecnologia você tem acesso mais rápido a tudo. Então é bom ver também o que está acontecendo por aí para também buscar um diferencial. Tem muito artista bom que é digital, que faz um trabalho excelente com o videoarte.

O que vocês trouxeram da década de 80 para 2020?

Tem muita coisa que a gente pode trazer da nossa vivência dos anos 80 para ser aplicada nos dias de hoje. Na vida tem momentos que você tem que parar, refletir sobre o início e tentar resgatar certas coisas que aprendeu naquele começo. A gente pode transitar por todas estas décadas, pois tudo está dentro do seu tempo. A gente acredita muito no tempo. As vivências que você teve em determinado momento da sua vida e se for uma coisa verdadeira, você carrega para sempre.

Então em 2020 ainda tem “break" e “hip hop” nas suas obras?

Adquirimos os elementos da cultura, coisas que você leva para a vida, como a valorização, o respeito, a admiração, o improviso, quebrar regras. A gente escolheu um caminho que é a pintura. Então dos quatro elementos hoje o que a gente faz é tocar, DJ, desenhar e pintar.

Li que trabalhavam no mercado financeiro em uma entrevista para a MTV. Como foi essa transição?

A gente era boy no mercado financeiro e lá tinha mais garantia financeira nos anos 80. Foram vários processos para a gente tomar esta decisão porque sempre foi muito difícil você viver de arte no Brasil. Estamos mais de 30 anos fazendo isso. As pessoas hoje em dia esperam as coisas para ontem, mas foi um processo de 30 anos. Para começar a ter um reconhecimento demorou uns 20 anos. Em 93 conhecemos o Espeto e aí percebemos que poderíamos começar a viver de arte e depois veio o Berry Meggy, que veio para São Paulo fazer uma residência no Museu Lasar Segal. Daí paramos para pensar que ele veio de São Francisco para cá, e nós desenhando que nem dois malucos em casa, estudando mesmo e largamos o mercado financeiro.

Obra gigante está instalada no Pátio 1 da PinacotecaObra gigante está instalada no Pátio 1 da Pinacoteca (Levy Fanan/ Divulgação)

Onde vocês começaram a ilustrar?

Tem o Richard Kowacs que foi uma das pessoas que abriram as portas para a gente porque trabalhava na Trip como diretor de arte e a gente fazia as ilustrações de arte da Trip e depois no Estadão e assim começamos a ganhar alguma coisa.

Como vocês enxergariam a Amazônia no contexto da street art?

A Amazônia é um lugar mágico que você tem muito mais que aprender do que qualquer outra coisa. Foi um lugar que eu tive que parar durante cinco dias e eu não pensei em momento nenhum em pintar. ‘Aqui tenho que parar e observar e aprender’ pensei. Você não sabe nada desta força que existe na floresta, da água, desta grandeza, assim. Muito Impactante. Eu poderia levar um trabalho nosso lá, mas acho que não teria tanto impacto. A Amazônia nos impactou. No quarto desenhei um caderno inteiro. Hoje se eu voltasse lá eu iria com esta troca. Já absolvi, agora filtrei e vou levar de volta e seria maravilhoso levar isso de volta.

Como vocês vão lidar com a arte depois da pandemia ?

Da mesma forma que a gente está lidando agora e levou a vida inteira. É como a gente se socializa, conversa com as pessoas, nosso estilo de vida, nossa maneira de conversar. E também durante a pandemia a gente enxergou de que forma poderíamos ajudar o próximo e fizemos vários projetos. Um deles foi uma máscara estampada em parceria com o Grupo Rosset. Depois começamos a trabalhar em parceria com algumas instituições e uma das distribuições que a gente fez foi na Amazônia. O maior número foi na região de Norte e Nordeste.

Qual a ligação que existe entre vocês?

Uma ligação de missão de vida, de materializar o mesmo sonho. Precisávamos de duas pessoas para materializar isso porque uma não era o suficiente.

Qual o Brasil que vocês retratam? Que linguagem é essa que vocês levam ao mundo?

Somos muito abrasileirados mesmo no nosso trabalho em relação aos outros países, a linguagem no nosso trabalho, das cores, das ideias. O improviso significa muita coisa para a gente, o foco, somos muito focados, dedicados, e não tem tempo ruim. O que tiver que fazer a gente faz. Mesmo que não tenha recurso a gente vai encontrar um caminho de fazer.

Em 2014, um comitê político passou tinta sobre a única obra de vocês no centro de Curitiba. Vocês acham que as cidades brasileiras são despreparadas para lidar com as intervenções?

Não são preparadas. Faz parte, é triste de ver, porque isso nunca acabou. Essa coisa de apagar o grafite vem desde 87. É uma forma de tentar desviar o foco das coisas.


Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)

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