Vestibulandos se debruçam sobre texto enfático


Existem retóricas que nos chamam atenção pela originalidade com que são escritas, principalmente quando os autores procuram colocar a realidade em primeiro plano. Na prova da Primeira Fase do vestibular da UFPA, aplicada no domingo (22), os candidatos se depararam com uma dessas realidades ao terem que interpretar o texto “Pau neles, compadre!”, de autoria do consagrado escritor Millôr Fernandes, nas questões gramaticais. Ao conversar com a vestibulanda Príscila Almeida (candidata ao curso de Medicina Veterinária - Castanhal), ouvi dela que os assuntos do cotidiano que causam relevância, mostram realidades que as vezes enfrentamos e não sentimos se o caso é favorável ou prejudicial.
Continuando a conversa com a vestibulanda posso acrescentar que os preparativos para os exames nas diversas escolas superiores, precisam ser adaptados ao que está acontecendo e ela concordou com isso. Na troca de ideias, concluímos que o cidadão precisa elogiar quando for o caso, criticar de vez em quando, espernear para obter seus direitos e gritar pedindo reconhecimento por aquilo que achar necessário. No texto em lide, Millôr não joga confetes em ninguém, mas também não livra a cara dos que tem o poder na mão e acham que o povo tem que engolir fogo e soprar vento. Essa realidade é pura nos recentes acontecimentos que envolvem o Brasil e é por isso que reproduzo a baixo o texto, como forma de alertar o povo e abrir os olhos dos jovens postulantes a carreiras acadêmicas. Viva os bravos estudantes! (PV)


Pau neles, compadre!

Vocês, que continuam com visão romântica do homem (atualmente chamado ser humano - como se fosse! - por imposição feminista), tirem o cavalinho idiota da chuva. Repito-me: o ser humano é um animal inviável. Em bando então, em grupo, em congresso em Congresso, na assim dita coletividade, a guerra é certa, escravizar o irmão tentação irresistível, o assalto ao mais fraco compulsivo. A milícia protetora cria o milico e feroz. A mais famosa fraternidade ainda é a de Caim.

A generosidade dura apenas - se - o tempo do primitivismo. Até o paleolítico o pitecantropo só podia ser comunista. A carne apodrecia rapidamente (cheirava mal) e reparti-la era inevitável. No neolítico, quando se inventaram os vasilhames, o comunismo foi pro brejo, imenso, na época.

Deem uma leiturinha na história, desde os horrores da Mesopotâmia - ressuscitados hoje, brilhantemente, por Saddam e Bush -, passando pela Grécia de sangueiras e traições transformadas em glória e mito pelo talento homérico, passem pela impertérrita Inglaterra, cuja "revolução industrial" se alicerçou no tráfico de escravos e no saque (muito de nosso ouro, via Portugal). E nos Estados Unidos, esse gigante democrático, como foi? Perguntem a Búfalo Bill e ao general Custer, se não querem perguntar aos mexicanos. Ah, não se esqueçam de Hiroshima e Nagasaki. A Espanha, Deus do céu!; as touradas são apenas jogos infantis diante da sua colonização (Montezuma que o diga) nos quatro ou cinco cantos do mundo. E não vamos esquecer da Inquisição, Santa, aliás. A Holanda só não tem diques contra a própria e permanente cupidez. A Alemanha, pra só falar nos tempos atuais, inventou os campos de concentração, adotados rapidamente em todo o mundo democrático. Mas a revelação dos campos de concentração é um fato pós-guerra. Se os alemães tivessem vencido, isso jamais apareceria e vocês iam ficar estarrecidos com os horrores aplicados pelos "nossos". Na Rússia da sempiterna crueldade, o homem sempre foi o lobo da estepe do homem. Quantas pessoas Stalin matou: dez, vinte, trinta, quarenta milhões? E os tzares? Foram uns querubins?
Dinamarca, os ingleses primitivos que o digam, Etiópia, onde há pouco mais de vinte anos os marxistas acabaram com uma das mais antigas aristocracias do mundo, Egito, aquele, dos Faraós, África do Sul, aquela, do Apartheid. E desçam pela América Central, revejam Incas, Maias e Astecas e constatem que esses povos, quando não estavam sendo violentados pelos europeus, estavam praticando as suas próprias barbaridades diuturnas em forma até de ritual sagrado. De violência em violência cheguem ao Brasil, esse oásis, antiga residência do homem cordial, atualmente pátria do bom selvagem, que vende as matas aos madeireiros, explora os companheiros e, de vez em quando, como lazer, violenta uma branca distraída. No passado não foi pior apenas por incompetência - só inventou bordunas. Mas para que servem bordunas? Pra dar bordunadas.

Aos que acham que a violência do nosso tempo é maior do que jamais foi, devido ao excesso de população, estou parcialmente de acordo com eles. Não é só o excesso, é a concentração. Noutro dia fui andar na Avenida Copacabana e toda a superpopulação estava na rua.

E só existe um controle populacional infalível - a prosperidade. Portanto temos que acabar com a pobreza, de preferência eliminando os pobres. Pobre transa demais, gente!
(Millôr Fernandes, Veja, 2 de setembro de 2009, p.39)

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