'Gelotecas' matam a fome de leitura em comunidades de Belém

 Pequenas bibliotecas elaboradas com carcaças de geladeiras e livros doados estão incentivando a leitura.

Cristino Martins- O Liberal

Geladeiras velhas e usadas, que seriam descartadas no lixo como entulho, são customizadas e ganham vida nova no projeto “Geloteca”. Os utensílios recebem pinturas coloridas e estão sendo transformadas em pequenas bibliotecas que se tornam pontos de leitura em comunidades pobres de Belém. Com três unidades em funcionamento e quatro em fase de implantação, as gelotecas passam a integrar uma rede de iniciativas articuladas de promoção do livro e da leitura, denominada Rede de Gelotecas Comunitárias Pará Ler.

O projeto já é realidade em algumas cidades brasileiras e chegou a Belém no ano passado, por meio da Rede de Bibliotecas Comunitárias Amazônia Literária, do Instituto Popular Eduardo Lauande (IPEL), da ONG Tirando de Letras e do Movimento Estudantil Enfrente. Em 11 meses de atuação foram instaladas gelotecas no Conjunto Tenoné, em Icoaraci; na Comunidade Terra Nossa, no mesmo distrito; e no bairro do Mangueirão. A quarta geloteca será inaugurada em breve no bairro da Sacramenta. A meta é ampliar e fortalecer esses pontos de leitura de forma articulada com diversos setores da sociedade civil.

Até o mês que vem, a expectativa é abrir mais três gelotecas, sendo uma no bairro do Icuí-Guajará, em Ananindeua, e outras no conjunto Satélite e no distrito de Outeiro, em Belém, conforme explica o idealizador local do projeto, Douglas Nunes, que estudou a estratégia das gelotecas a partir da experiência do município de Moju. “O objetivo da geloteca é promover o livro e a leitura como direito humano. A gente pega geladeira doada, customiza, pinta e dá uma cara para ela. Todas as gelotecas são temáticas”, explica.

Flávio Lauande e a geloteca 'Maria da Penha', no bairro do Mangueirão.Flávio Lauande e a geloteca 'Maria da Penha', no bairro do Mangueirão. (Cristino Martins- O Liberal)

A geloteca do Tenoné recebeu o nome de “Jovem Miguel” em alusão a menino de cinco anos que caiu de um prédio em Recife após ser deixado sozinho no elevador pela patroa da mãe dele; a do Mangueirão é a “Maria da Penha”, que foi pintada com os rostos de Frida Kahlo, Marielle, Maria da Penha, Madre Teresa de Calcutá, Angela Davis e Simone de Beauvoir; e a do Terra Nossa rende homenagem ao Centenário de Paulo Freire.

O impacto da leitura

O público alvo é predominantemente de crianças, mas o projeto acaba contemplando outras faixas-etárias. As gelotecas funcionam em locais parceiros, como centros comunitários, igreja e até na residência de apoiadores, como Paulo Manoel Leite, que coordena a geloteca do Tenoné. “Essa experiência é uma maravilha, um modo de ensinar as crianças. Tem dia que tem roda de leitura, bota as crianças para desenhar, ler e brincar. Elas se interessam pela geloteca. No decorrer da semana, vêm buscar livro pra ler, depois devolve e leva de novo. É uma coisa muito importante para as crianças e pra gente mesmo”, descreve Paulo.

Entre as atividades realizadas, estão contação de histórias e mediação de leitura e leituras coletivas. Cada Geloteca têm um acervo de cerca de 150 livros, contando somente a quantidade guardada no interior do dispositivo, pois parte dos livros acaba sendo disponibilizada em prateleiras instaladas nos ambientes parceiros que recebem as gelotecas. O acervo, assim como as geladeiras usadas, são constituídos de doações. O projeto já arrecadou mais de 1 mil livros.

Érika Bastos, coordenadora da geloteca do Terra Nossa que funciona na Igreja Cenáculo da Fé, afirma que “a experiência vem sendo muito boa porque as crianças estão tendo um aprendizado muito diferente, com várias atividades, brincadeiras e diálogos”. As atividades incluem conversas de conscientização sobre racismo, preconceito, abuso sexual de crianças e adolescentes e violência doméstica, mas também fornecimento de cestas básicas às famílias mais necessitadas. “Aqui é uma comunidade muito carente, muitas famílias com pais desempregados e que passam dificuldades, dependem do auxílio que não dá para o mês todo”.

Flávio Lauande, do IPEL, explica que várias atividades são oferecidas às comunidades a partir do vínculo inaugurado com as gelotecas, como oficinas de horta urbana e de pintura, escovódromo, exibição de filmes, cursinho popular, distribuição de cesta básica, rodas de conversa e palestras, entre outros. “Ao estimular a leitura e a participação popular, nessas conversas a gente vai colocando a lógica da educação em Direitos Humanos e, apesar de ser voltado às crianças, adolescentes e jovens, muitos adultos acabam participando também com a gente”.

O projeto está se articulando e já recebeu convites para criar gelotecas nos município de Cametá, no Nordeste Paraense, e também em cidades do Marajó. Ainda, as entidades realizadoras do projeto se preparam para realizar o seminário da Rede Gelotecas Comunitárias Pará Ler daqui há dois meses.

Doações de geladeiras, livros e cestas básicas podem ser realizadas pelo telefone (91) 99917-8371






Edição: Alek Brandão
Texto e Fotos: O Liberal

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