Reminiscências de Capanema - Por Paulo Vasconcellos

HISTÓRIAS DE UMA CIDADE MAL ASSOMBRADA.

Arte: Alexandre Reis


Tantas vezes nos deparamos com situações em que tentamos explicar, mas não conseguimos. Possivelmente estas explicações sejam melhores interpretadas se contadas de forma mais concreta. Como por exemplo, as histórias de botija, visagem, lobisomem, matintaperera, curupira e muitas outras que são lendas e fazem parte da história do folclore de Capanema, cidade que já passou do primeiro século de existência. Mas, como contar esses “causos” e ter a certeza de que eles realmente aconteceram? Basta buscar nossos antepassados para podermos nos aprofundar com veemência.
Existem nos “causos” contados pelos mais velhos de que na Capanema de outrora eram muitas as estórias. Quando eu era criança, ouvia os mais velhos falar de assombrações e ficava imaginando como tudo isso poderia ser real. Com medo, me retraia num canto e tapava os ouvidos. Minha avó, que era nordestina, nos chamava para contar estórias e vez por outra surgiam as botijas, lobisomens, matintapereras, curupiras, mapinguaris, cavalos sem cabeça, e outros. Tudo isso fazia parte do roteiro. A molecada que não agüentava saia da sala. Eu era medroso, mas gostava de ouvir. Minha mãe confirma tudo isso e inclusive conta que no terreiro da casa de seu pai, vovô Chicó Vicente, no tronco de uma jaqueira, havia uma botija enterrada pelo antigo morador, e certo dia um de seus filhos veio ao local para arrancar as riquezas que ali foram “plantadas”.
O cidadão chegou e saiu de forma misteriosa, sem que ninguém o conhecesse, sendo identificado dias depois por um vizinho de vovô. De acordo com a lenda da botija, o buraco deixado não pode ser enterrado, caso contrário, alguma maldição é reservada ao autor. Vovô não autorizou que ninguém enterrasse o buraco que ficou no tronco da jaqueira, até os últimos momentos em que morou naquele local. Só que, à noite, apareciam vultos e barulhos estranhos próximo á jaqueira, que amedrontavam quem ficasse próximo.
Certa noite, minha avô Chiquinha foi ao barracão que ficava no quintal e recebeu uma pedrada certeira que lhe atingiu a testa. Naquela época não se ouvia falar em assalto, ou coisa parecida. Vovó ao dar alarme, todos foram unânimes em afirmar que seria arte de alguma visagem. Tudo isso foi aguçando minha curiosidade misturada ao medo. Perguntava a vovó se tudo aquilo que ela contava era verdade e recebia a afirmação, complementada por versões de veracidades capazes de tornar a coisa ainda mais real.
Nossos avós jamais iam contar uma coisa que fosse mentira.
Naquela época era uma tradição as famílias se reunirem e sentarem em frente das casas para trocarem idéias e saiam todos os tipos de conversas. Uma das estórias que mais me comoveu foi a de que existia uma casa mal-assombrada bem perto do pau-grosso, formoso igarapé em que tomávamos banhos diários, e que toda noite alguém jogava pedras para dentro da mesma e ninguém sabia quem fazia isso. Certa vez estive no local, mas ao me aproximar não tive coragem de ver, mas ouvia o barulho de alguma coisa quebrando dentro da casa. Dei meia volta e retornei. Os comentários das pessoas eram de que algo anormal estava presente naquela casa ou então algum tipo de espírito. Só sei que uma única pessoa da casa era atingida pelas pedras e o mistério aumentava.
Na história de Capanema constam lendas de botijas e assombrações. Então, muitas das vezes a gente para pra pensar e se depara com coincidências que se transformam em mal-assombros. Essa casa só recebia as pedradas à noite e durante o dia as pedras sumiam e as coisas quebradas também. Joãozinho, meu vizinho, passava noites e mais noites, acordado pensando nas pedras. Quando a gente se reunia para jogar bola, ele comentava que mesmo de longe ouvia o barulho das pedradas. Isso porque já vivia impressionado.
Não devemos duvidar de nada, mas acreditarmos que a maioria das assombrações, são somente a perspicácia da nossa imaginação e a própria pessoa é quem transforma as imagens que vê. Digo isso porque num dos meus retornos da escola à noite e de longe avistei um vulto, que, na minha imaginação era um monstro. Na medida em que eu me aproximava aquele monstro aumentava de tamanho e o meu medo também. Como não pude identificar o objeto, voltei em disparada e a primeira pessoa que encontrei relatei o acontecido. Voltei a me aproximar do local, acompanhado de um cidadão que atendia pelo apelido de “Padizê” e este constatou que se tratavam de dois porcos fuçando o chão. Só que constatei a existência dos dois porcos, mas afirmei que o que vi não poderiam ser porcos pois estes não roncavam como todos os outros suínos. Mas, “Padizê” me explicava que quando a gente está com medo tudo se transforma. Mesmo assim não me conformei, entrei em casa, pensativo, passei uma noite em claro e com medo.
Ao passo que vamos atingindo uma certa idade, nos conscientizamos de que nossa imaginação é um reflexo e em momentos diferentes, não podemos de forma alguma nos deixar levar pelo imaginário. As vezes, nossos pensamentos são cômicos e injustamente analisados. Mas, como vivemos hoje num mundo globalizado, precisamos estar sempre atentos para essa mobilização, cujo movimento de rotação prevalece e transforma cada caso em situações opostas.
Não sei se acredito na história da botija e das assombrações. Antes, na época de criança, havia aquela fobia que rapidamente se transformava em medo. Nesse caso, volto a me lembrar de Joãozinho e de seus cuidados para não se deparar com visagens. Quando ele queria ir para a rua, sua mãe o advertia dizendo que se fosse, a curupira ia lhe pegar, ou então a visagem o acompanharia no caminho. Na concepção do inocente Joãozinho, a existência de visagens, botijas, assombrações, curupira, rasga mortalha, matintaperera, lobisomem, mapinguari e muitos outros tipos de marmotas, eram verídicas e sua mãe estava certa de que tudo o que ela o dissesse o amedrontaria.
Quando a gente é criança tudo se transforma num mundo de fantasias. Com os avanços tecnológicos, como a expansão do cinema e a chegada da televisão, a coisa mudou bastante. Surgiram outras oportunidades de opções em se tratando de comunicação em rigor à somatória de todos os avanços. Entretanto, ainda existem as pessoas conservadoras que bloqueiam certos avanços. Nos dias de hoje, será se ainda existe alguém que acredita fielmente em tudo isso que foi citado? Paciência! Estamos no Século XXI e cremos na existência de um anti-vírus, capaz de deletar qualquer partícula negligente de um conglomerado de fatores inerentes a todo o tipo de avanço. Só não podemos é duvidar dos poderes e dos desígnios de Deus, este ser supremo que supera todos os obstáculos.
A realidade da vida de hoje é tão transparente, que não temos mais tempo para pensar e acreditar nas coisas rupestres oriundas de nossos antepassados. Essa realidade é tão necessária, que faz com que elevemos ainda mais nossas capacidades intelectuais para que as futuras gerações possam daqui a algum tempo, fazer reminiscências deste Século XXI. Assim como nós estamos discutindo da existência de visagens, assombrações e botijas, as novas gerações estarão fazendo do sentido contrário, estudando e discutindo o atual avanço da tecnologia em todas as dimensões. Talvez, daqui a um pouco tempo, a clonagem humana seja assunto discutido em sala de aula para alunos da pré-escola. E onde ficarão as visagens e botijas da vida? Nem os arqueólogos seriam capazes de descobrir.
Joãozinho é o personagem da minha inspiração e recordo quando éramos crianças e ouvíamos falar nas visagens e botijas. Nunca imaginávamos que, ao transcender o Século XXI, estaríamos duvidando de algo que faz parte das nossas histórias e nos rendendo a um fator de estágio avançado em se tratando de tecnologia e progresso. Estamos preparados para enfrentar a era dos robôs, e essa era já chegou. Não adianta querermos passear em cavalos de pau se a onda agora é considerar voos virtuais. Em trocadilhos, soma-se as botijas aos superávits econômicos para obtermos um resultado onde a ordem dos fatores altere o produto e o lucro apresentado seja o expurgo das assombrações e que as estórias continuem cada vez mais emergentes.
O município de Capanema mantém-se como um dos únicos que preserva sua cultura de aparições de visagens ou deve entrar na real e se conscientizar de que tudo isso não passa de lenda ou mesmo marketing da imaginação de algumas pessoas? Pressupõe-se de que qualquer semelhança seja mera coincidência. Como sou contador de histórias e até de anedotas, considerem os personagens aqui citados, como verdadeiras obras de ficção, sendo que prefiro manter meu nome no anonimato, pois quem sabe se não serei clonado? Mas, se quiserem tentar descobrir quem contou essa história em escritas, basta buscar a origem do autor que sua identidade será revelada em breve. As botijas são lendas, mas a memória do autor é real.
O autor Paulo Vasconcellos é paraense de Capanema.
**Texto Publicado no livro "Inpirações Versatilizadas", produção autoral e as histórias aqui contadas referem-se a mistura da vida real com a ficção. Publicado também, no projeto da AVAL.

Arte: Ira Rodrigues





























Imagens: Divulgação Edição: Alek Brandão

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