Capanema: Contos de uma história real



As Janelas e as sentinelas

Bela cidade, terra de pessoas pacatas na recepção aos viajantes, visitantes e àqueles que escolheram para morar. Esta é a Minha Cidade, cujo nome significa “mata ou mato azarada”. Mas aqui não tem azar, aqui tem sorte, tem progresso, tem gente boa, de todos os credos. Acho que esqueci de falar o nome da cidade! Mas, que nada, ela é a Capanemaalegre, que todos nós cultuamos e elevamos seu nome por onde quer que vamos. Falando nisso, vou relembrar um pouco a história dessa terra abençoada que Antônio Jerônimo ajudou a desbravar e hoje faz parte de um dos pólos econômicos no coração da região nordeste do Pará. É verdade! Nunca alguém teve a coragem de dizer que não se deu e nem se dá bem em Capanema, principalmente aqueles que convergem para cá. Os primeiros habitantes, os nordestinos, expulsos pela seca, deixaram suas raízes plantadas em relevo de alta fertilidade e por esse motivo todos nós temos um pouco de cearenses, paraibanos, riograndenses do Norte, alagoanos, sergipanos, baianos, pernambucanos, piauienses, enfim, de toda aquela gente de sangue forte que habita em quase todos os estados brasileiros. Eu, por exemplo, tenho o sangue misturado de cada um dos bravos nordestinos e até de portugueses. Meus avós Zé Pedro Vasconcellos e Francisca Dourado (Neném) chegaram por aqui e ficaram, como tantos outros. Assim fizeram Francisco Vicente o “Chicó” e Francisca Viana a “Chiquinha”. O velho “Chicó Açougueiro” era um paraibano trabalhador que se instalou na Travessa Rui Barbosa e de lá nunca mais saiu, vivendo até seus quase 90 anos.

Capanema é isso, é uma cidade de portas e janelas abertas para todas as pessoas que a adotam como “terra-mãe”. E o povo daqui, nem se fala: é generoso e hospitaleiro. Tudo isso faz parte dessa história que começo a contar. De Antônio Jerônimo a Guilherme Schuch o “Barão de Capanema”, eminente cientista e grande conhecedor da geografia no Brasil, que nascera em freguesia de Antônio Pereira, Comarca de Ouro Preto, em Minas Gerais, depois começou sua grande jornada pelos estados brasileiros durante 38 anos, como funcionário público, destacando-se como um grande sábio e trabalhador, passando a chamar-se Guilherme Schuch de Capanema. Em sua passagem por aqui, deixou raízes plantadas, que germinaram, dando nome à cidade. Ele e muitos outros desbravadores são figuras de destaque na história do município e da cidade de Capanema, assim como os intendentes, prefeitos, comerciantes, agricultores, políticos, homens cônscios de um modo geral e também aqueles que contribuíram para o desenvolvimento, sem distinção de classe social.

Ao me recordar um pouco da história de Capanema, vejo que muita gente deveria ser considerada cidadão ou cidadã desta terra, merecendo receber títulos e mais títulos, mas não cabe a mim, julgar ou mesmo apontar quem de direito.

Os pontos de destaques de Capanema já foram modificados em suas estruturas e como recordação é algo fascinante, lembro da Estação Ferroviária, da Caixa d´Água onde o trem era abastecido, da rua do fogo (Duque de Caxias), das travessas Pedro Teixeira, da Ladeira do Dois, do açude do Lucas Galdino, do Garrafão, do rio do Nelson, do rio pau-grosso, Ouricuri e muitos outros pontos turísticos que não existem mais.

Relembro com muita saudade dos tempos da Travessa Rui Barbosa onde nós sentávamos nas poucas calçadas que existiam, para conversarmos sobre assuntos aleatórios. Saíam conversas boas e aquelas que só criança tem paciência de ouvir e falar. Jogávamos futebol no meio da rua e quando os mais velhos passavam, parávamos de jogar e assim levávamos uma vida bastante tranquila.

Cada vez em que estávamos reunidos no bate-bola, a chuva começava a cair e aquilo para nós era festa total. Formávamos dois times e traçávamos a pelota. Todos se esqueciam da vida. Quando terminava a bola a molecada corria para o rio do Nelson ou para o “pau-grosso”. Lá o dia continuava e quando se aproximava às seis horas da tarde retornávamos para as nossas casas. Era assim, quase todos os dias. É por isso que digo sempre: Capanema é uma terra abençoada. Ninguém ouvia falar em desavenças, doenças feias, maus-tratos ou coisa parecida.

Com a instalação do progresso a cidade evoluiu e isso nós vivenciamos. A economia centrada na industrialização do cimento pela empresa CIBRASA desde 1962, na agricultura, um pouco da pecuária e do comércio de um modo geral. As tradições, essas estão esquecidas e me deixam muito mais saudoso. Antigamente as festas juninas eram bem estruturadas, com fogueiras, foguetes, mingau de milho, pé-de-moleque, e muitas guloseimas da época. Infelizmente essas tradições ficaram no esquecimento.

Os anos foram se passando, o município entrou em processo de crescimento e Capanema desponta como um dos mais promissores municípios da Região Nordeste do Estado do Pará, sub região dos Caetés, situado na Zona Bragantina, distante, 150 quilômetros da capital, Belém. A cidade conta com seis instituições bancárias, uma fábrica de cimento, quase oitenta mil habitantes, diversas escolas das redes estadual e municipal, Campus Universitários (UFPA e UFRA), centenas de estabelecimentos comerciais, representatividades de autarquias e um leque de empreendimentos que consolidam a evolução.

A cidade de Capanema tem suas tradições e nelas estão contidas as forças culturais que seu povo contempla de forma a tornar cada vez mais forte essas raízes. As obras literárias também tem espaços reservados e é por esse motivo que dedico parte dos meus poemas a Capanema, com o intuito de homenagear a “Minha Cidade”.


Olho para Minha Cidade

Como se ela fosse a única. Fico enfeitiçado, sereno e envaidecido. Essa cidade, que dorme, que amanhecee que também trabalha, não descansa, que me cansa, mas me deixa feliz. Abro bem meus olhos e vejo Minha Cidade triste. Parece querer me dizer alguma coisa. Estou te sondando, Minha Cidade. Não quero te ver contrariada.

Espera... Vou convidar uns amigos para juntarmos as forças, rezarmos e orarmos, com as mãos postas para tentarmos te reacender, te revitalizar e fazer com que mudes teu semblante, Minha Cidade.

Cidade Minha, Minha Cidade. Abraço-te, para sentir o pulsar do teu coração. Faço isso, pensando no teu futuro e no meu também. Afinal, somos cúmplices, somos do mesmo berço. Estou encorajado, te dou mais um abraço. Sinto o cheiro das tardes chuvosas, das noites sombrias e calmas e das manhãs de esperanças renovadas. Minha Cidade morena brejeira, cidade hospitaleira, cidade faceira. Quero embrulhar-me com teu manto, que é a tua Bandeira e provar-te que não irei te deixar só, jamais!

Leio e releio alguns trechos da tua história e aí me vem às lembranças dos trilhos, dos cavalos e seus caçuás, do mingau de milho, das madrugadas nas calçadas, os venderins e os venderões oferecendo seus produtos. Essa é a Minha Cidade.

A maria-fumaça rasgando a madrugada fria chegava à estação e todos ali, esperando para saber as novidades. Sentados em tamboretes as pessoas ficavam atentas. Chegava a diligência de sargento Pedro para fazer a vistoria. Ele andava junto à Cavalaria deixando a sujeira para trás com os montes de bostas dos animais. O dia amanhecia e a sirene do D.E.R avisava que estava dando 7 horas. Depois era a vez da Tecefátima chamar seus empregados com o toque ensurdecedor que era ouvido em quase todo o centro da cidade.

Abre pano, fecha pano a Casa Pérola e a loja Brasil, estão de portas abertas para atender a freguesia. O carro de pão do “Torrado”; o quebra-queixo do “Dico”; a pipoca do Waldemar; a garapa do Ivan e o café do Raimundo Braga eram as preferências das pessoas que gostavam de ficar em frente ao Mercado Raimundo Neves jogando conversa fora.

Ao som do prefixo italiano, a RCC (Radiofonização Comercial de Capanema, hoje, Almeida Divulgações) entrava no ar para anunciar as promoções do comércio e as atrações do Cine Pálace, além das outras novidades.

A Minha Cidade bela estava despertando para dentro de pouco tempo receber em suas ruas a manada de bois em desfile com destino aos currais ou mesmo ao curro (matadouro) para o abate.

Os comerciantes tradicionais da Minha Cidade abriam as portas dos seus estabelecimentos para atender os clientes. Eram lojas a disposição dos fregueses, - naquela época, cliente era chamado de freguês. Inagaki, Ichihara, Kauati, Suéo, José Costa, Carlos Amóras, Waldemar Vasconcelos, Silvino Monteiro,Carlos Gomes, Hugo Travassos, Pedro Araújo, João Costa, Família Abud, Adolfo, Aristeu Favacho, Benedito Alves, Nicodemos Silva, Chico Meireles, Rosinha Costa, Pompílio Andrade, Mansuêto Macedo, Família Febrone, Chico Homem, Abdon Holanda, Lourival Quito, Aly Buchacra, Manoel Ferreira, Experidião Queiroz, Alfredo Oliveira, Williams Carvalho Magalhães, Rosivér Alencar da Rosa, João Alves Pereira, Herbert Veríssimo, Raimundo Moreira, Cirilo Amarante, Adalberto Geraldo, Cícero Costa, os Cunha Maia, Andrelina Bulhões, Wilson Silva, Núbia Araújo, Família Leal, Aristeu Teixeira de Castro, Inácio Ferreira, Fernando Pereira Martins, Sulamita Silva Diniz, Jerusa Buarque Vasconcellos de Gusmão, Sebastião Soares Menezes, Solon Gomes da Silva, Izaura Viana, Laura de Castro Borges, Othon Soares de Almeida, Manoel Pascoal, Aristeu Buarque de Gusmão, Ramiro Coelho Filho, Maria das Dores da Costa Sousa (Santa), Mario Barros de Sousa (Piçarra), Antonio Serra, José Moraes, os Antônios, os Pedros, os Josés e muitos outros desbravadores fazem parte da história do comércio da Minha Cidade e foram os escudos de seus estabelecimentos, além daqueles que trabalharam em funções administrativas e/ou como servidores públicos. É claro que eu não conseguiria nomear todos aqui, mas peço aos familiares que acrescentem os nomes de seus entes que também fazem parte da história de minha cidade.

Na Minha Cidade tinha tudo isso e ainda hoje continua tendo.
Deixei para falar por último da Pires Carneiro e do Nego Branco, - esse eu não poderia esquecer de jeito nenhum, porque era meu avô (tive dois avôs por parte de mãe). Nego Branco era farmacêutico famoso e dividia com Cirilo, Hugo e Inácio as funções de “médicos”. Assim como os outros, ele também deixou seu nome marcado na história da Minha Cidade.

Na Minha Cidade, meu pai, Waldemar, aportou vindo do Ceará, junto com meu avô Zé Pedro que retornava depois de nova experiência na seca. Meu pai trabalhou no D.E.R (Departamento de Estradas de Rodagem), junto com José Moura, Dino Bertolino, Manoel Ferreiro e muitos outros companheiros. Meu pai foi meu herói. Um exemplo. Um amigo. Uma pessoa que, mesmo convivendo comigo apenas por 12 anos, me deu ensinamentos e mostrou o caminho certo a ser seguido, por mim e por meus irmãos. Sou muito grato a ele, por tudo ou pelo pouco que tenho.

Na Minha Cidade tinha o trem, que parado na estação aguardava o momento da partida. Tinha cocada, “mudubim”, cuscuz de fubá de milho, bolo de macaxeira, café, rosca e bolacha fogosa, tudo para vender. Na Minha Cidade tinha e tem, de tudo um pouco ou muito.

Na feira livre, atrás do Mercado Raimundo Neves tinha o cheiro verde na barraca dos japoneses da família Noguchi. Os açougueiros que trabalhavam no mercado junto com meu avô Chicó, lembro-me dos nomes de alguns deles: - Machico, Manoel Pitomba, Teófilo, Dico do Nelson, Antônio Pirulito, Diquinho e outros.

A esperança é a última que morre. Minha Cidade não morre. Minha Cidade corre e nessa corrida de esperança, Minha Cidade alcança. Passaram-se alguns anos e aqui está Minha Cidade crescida, adulta, centenária. Mas, como frisei no início, Minha Cidade está um pouco triste. E saberemos por que. Vários fatores a deixaram nessa situação. Minha Cidade já é uma “senhora” com bastante idade. Então, deve ser mais do que respeitada.

Chamo por meus conterrâneos para que não deixemos a Nossa Cidadeficar assim desse jeito. Paro, olho e sigo. Minha Cidade quer ficar para trás, mas eu não deixo. E você, também não deve deixar. A chamo para seguir caminho comigo, e ela vem.

Agora estou feliz porque Minha Cidade me acompanha. Ou melhor, ela me ultrapassou e nem me deu trela. Estou olhando bem perto dos olhos dela. Calma, Minha Cidade! Certa vez, o poeta me disse que no meio do caminho havia uma pedra. Não aquele tipo de pedra brilhante do tempo do trem, que ficava perto da estação. Essa pedra a qual o poeta se refere é a mesma que entrou no meu sapato.

Existe situação mais desagradável do que uma pedra dentro do sapato? Acho que não! Se for por causa disso, vou tirar os sapatos, mas Minha Cidade me diz que não quer me ver descalço. Sigo seus conselhos e me mantenho calçado. É bem melhor, eu atender a ordem de Minha Cidade, assim como atendo de Minha Mãe. Tem dias que Minha Cidade derrama rios de lágrimas. Presenciando isso, fico triste e também derramo as minhas.

Um compadre me diz que Minha Cidade é “panêma”. Nada disso! Ela é sortuda.
Alguém me diz se a Minha Cidade é do jeito que meu compadre falou? Panêma, não! No entanto, se ele quiser associar essa palavra (panêma) com uma substancia que é usada para pintar paredes e muros, excluindo a letra “L”, conclui o nome de Minha Cidade. Isso é uma charada, Adivinhe quem quiser e depois respondam qual é a Minha Cidade? A resposta está no nome do rio, na lista telefônica, no mapa, nas placas de estradas, nos obeliscos, nos registros de nascimento dos filhos natos, e até na internet.

Como estamos na era da modernidade, Minha Cidade também é moderna e me faz esquecer daquele tempo antigo. Viajei rápido e atalhei muita coisa para chegar até aqui, aonde chegou a Minha Cidade.

Minha Cidade tem 109 anos.
Eu não tenho esses anos todos, mais sei que Minha Cidade tem mais de uma centena de novembros nas costas.

Na Minha Cidade, quem vem passear, fica, casa e constrói sua casa e não sai mais daqui. É a mesma coisa que diz na letra da música que o Pinduca canta, associando a quem toma o açaí e não sai mais do Pará: “Quem vai ao Pará, parou, tomou açaí, ficou”.

Minha Cidade é essa;
Essa é Minha Cidade.
Mas, também, é a Sua Cidade.
É Cidade linda. Eu disse “LINDA”!

Podem comprovar tudo o que estou dizendo. Acreditem! Minha Cidade, ah! Minha Cidade... Minha Cidade... Minha Cidade... Ela é a Minha Cidade de Capanema, situada no Nordeste do Estado do Pará, e na Região Norte do Brasil. Terra cabocla, que faço morada e que muita gente descobriu. (PV)

Texto publicado no livro “Inspirações Versatilizadas”, produzido pela editora Belas Cores/Belém-PA, lançado em outubro de 2015. O livro é de minha produção autoral.


O autor é escritor e poeta integrante da Academia Capanemense de Letras e Artes-ACLA e da Litterária Academiae Lima Barreto-LALB.



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