Sambista mostra sua nova versão no samba e na vida


Luiz Ayrão senta-se lembrando uma das poucas coisas que o deixam acabrunhado. Um jornalista, lá pelos anos 1970, juntou ele e mais Alcione, Agepê, Beth Carvalho e Benito di Paula, jogou-os em uma bacia e os chamou de “sambão-joia”, uma alcunha que, segundo Ayrão, iria atrapalhá -lo. “Essa era a época de ouro do samba, vendemos mais do que a Jovem Guarda havia vendido”, diz.
Aos 77 anos, Ayrão tem a juventude conservada por sua curiosidade pela vida. Ao ser abordado pelos fãs, surpreende ao querer saber mais sobre eles do que o contrário. Mesmo caminhando lentamente depois de uma cirurgia malsucedida que tirou a sensibilidade dos pés, ele mostra o que o acúmulo dessa curiosidade rendeu. Sobre cada assunto, uma história, cruzando referências de autores literários com ditos populares e dizendo sem dizer ao interlocutor algo como “aproveite, leia, ouça, sinta”. Luiz Ayrão está mesmo longe de tudo o que pode haver de ruim em um “sambista joia”.
Seu novo disco é sinal disso. Ele estava havia dez anos sem um álbum novo, e então chega com Um Samba Merece Respeito, com sete acertos que deixam desfilar pelo disco Zeca Pagodinho, Zeca Baleiro, Alcione, Diogo Nogueira, Monarco, Péricles, Demônios da Garoa, Xande de Pilares e Toninho Geraes. Entrevistá-lo para isso parece, em determinado momento, perda de tempo. O melhor é desarmar-se para ouvi-lo e tentar guardar algo. “Você sabe a origem da palavra pagode no samba?” Não, Luiz. Qual é? “No tempo em que a polícia perseguia os sambistas no Rio, lá pelos anos 70, eles olhavam o morro de baixo pra cima e viam uma casinha em cima da outra. Uma imagem que lembrava muito os telhados dos pagodes chineses.”
Ayrão, filho de pai compositor, seu Darcy, deixou o emprego de procurador do Banco do Estado da Guanabara, o do escritório de advocacia e as aulas que ministrava à noite para se jogar no samba. Aos 11, fez seus primeiros versos (“sempre te amei, nunca te falei / Com medo de ouvir a resposta que dos seus lábios poderia sair”) e mostrou ao pai. “Meu filho”, disse Darcy. “É muito feio quando a gente pega uma música dos outros e sai dizendo que é nossa.” Anos depois, Roberto Carlos gravaria sua Nossa Canção, em 1966, e ninguém nunca mais duvidou de seu talento.

Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)

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