Caderno JC - Link Direto com o Jornal de Capanema

Edição: Paulo Henrique #

Documentário mostra trajetória do açaí

Você já deve ter ouvido falar: o açaí ganhou o mundo. Na última década, observou-se o diminuto fruto amazônico saltar da categoria de exótico alimento regional para as tigelas dos marombeiros do Sudeste, até tornar-se matéria-prima cobiçada por empresas internacionais como Coca-Cola, Absolut e Natura. Tomando como ponto de partida a atual popularidade do fruto, o documentário “Ouro Negro da Floresta” (DF, 2010), de Delvair Montagner, mostra como as mudanças econômicas afetaram o cotidiano de um grupo de pequenos agricultores no Pará. “Não é um filme sobre coisas, sobre uma fruta ou uma planta. É um documentário sobre o modo de vida dos produtores de açaí. Em suma, é um filme sobre gente”, define a diretora.
”Ouro Negro da Floresta” foi filmado em 2008, durante 15 dias, no município de Igarapé-Miri, a 78 km de Belém. A equipe acompanhou de perto o trabalho da Cooperativa Agrícola de Empreendedores Populares de Igarapé-Miri (Caepim) para registrar toda a escala produtiva do açaí: do plantio, ao manejo; da coleta ao transporte, desta que é a principal fonte de renda da localidade.
O núcleo central da narrativa documenta a relação de parentesco e amizade entre os associados da cooperativa. A Caepim é subsidiada por uma empresa americana que compra toda a sua produção. O modelo de organização vem causando profundos impactos na atividade.

Laço afetivo com o fruto pode acabar
“Existe um diferencial entre os trabalhadores cooperados”, explica Montagner. “Eles são mais mobilizados, organizados e mais bem remunerados. Existe um padrão de excelência que não era observado na extração tradicional do fruto”.
Por destinarem sua produção ao mercado externo, as cooperativas seguem uma série de exigências como manejo sustentável da plantação e maior cuidado na higiene durante a extração e beneficiamento do açaí. Em contrapartida, os trabalhadores eliminam a figura dos atravessadores da produção e ganham mais no preço de venda, regulado pelo mercado internacional.
Durante o período de safra, que vai de julho a dezembro, é tempo de fartura nas comunidades. “Se compra barco, motor, tudo que é necessário para aguentar o período de entressafra com conforto”, conta Delvair Montagner. O resultado é uma fase de bonança econômica, mas que representa uma ameaça à própria continuidade da atividade de extração. “O açaí deixou de ser uma cultura de subsistência para se tornar um empreendimento comercial altamente rentável”, afirma a diretora.
“Em termos econômicos, é uma ótima para eles”, diz Montagner. “Mas as novas gerações, com mais renda e oportunidade, dificilmente seguirão a tradição do cultivo do açaí. Isso abre espaço para as multinacionais dominarem o mercado”, analisa a diretora.
Como um dos entrevistados aponta no documentário, o boom da economia do açaí se descortina como um novo ciclo na região, como já aconteceu com a cana-de-açúcar e a pimenta-do-reino, que se mostraram vantajosas para a maioria, até que as grandes indústrias monopolizassem o mercado.
“A economia é importante, mas as pessoas têm uma relação cultural com este alimento. Sumindo esse laço afetivo, a comida símbolo da identidade paraense corre o risco de virar apenas mais um nome no cardápio”, conclui Montagner.

TRAJETÓRIA
Com 52 minutos de duração, o média-metragem é o 34ª trabalho da diretora. Além de cineasta, Delvair Montagner é pós-doutora em Antropologia Visual. “Ouro Negro da Floresta” estreou em setembro, abrindo o festival Slow Filme — Festival Internacional de Cinema e Alimentação, que ocorre em Pirenópolis (GO). Um mês depois, recebeu Menção Honrosa do Júri Oficial no 17º Festival de Cinema e Vídeo de Cuiabá. (Diário do Pará)

Nenhum comentário