Maioridade penal, vigilância e punição



Pesquisa Datafolha divulgada ontem revela que 87% dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Apenas 11% são contrários à mudança, enquanto 1% se mantêm indiferentes à questão e 1% dos entrevistados não soube responder.
A pesquisa ouviu 2.834 pessoas, em 171 municípios brasileiros, com margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Em 2003, o percentual de brasileiros favoráveis à redução da maioridade penal era de 84%. É curioso observar que no levantamento atual o índice de aprovação da medida chega a 91% na região Norte, perdendo somente para o Centro-Oeste, com 93%, enquanto o índice varia de 85% a 87% nas demais regiões.
O tema, que vez por outra volta à discussão, está em debate no Congresso Nacional, onde tramita uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que será analisada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados, antes de ser votada pelos plenários da Câmara e do Senado.
O resultado da pesquisa evidencia a preocupação com os crescentes índices de violência no país. Na opinião da maioria, portanto, a medida coibiria atos de violência, contribuindo para reduzir o número de assaltos e a violência praticada por menores, muitos dos quais sob o comando de adultos.
A questão que se coloca, no entanto, é saber se a medida resolveria o problema da violência, se não seria mais um paliativo, com o intuito de escamotear as verdadeiras causas da violência. A questão é complexa na medida em que envolve aspectos psicológicos, questões de ordem social, econômica, jurídica e, principalmente, política, como uma forma de o governo dar uma satisfação à sociedade. Ressalte-se que os crimes de colarinho branco de notórios políticos não são coisas de adolescentes.
Obviamente que ninguém que tenha sido assaltado não carregue os traumas e sequelas da violência, ou que pela sua condição humana não deseje a punição dos delinquentes, muitos deles menores de idade. Mas a questão não é de ordem individual... Não se trata de vingar-se, mas de prevenir, cuidar, formar e, principalmente, salvar toda uma juventude que se perde, sob a justificativa de que está condenada a priori, em si e por si, esquecendo-se de que esses jovens delinquentes são produtos da própria sociedade, que joga para debaixo do tapete o seu lixo social. Assim é o sistema carcerário, que legitima uma ordem social, econômica, jurídica e política vigente, onde seus valores pairam acima do bem e do mal. Ou melhor, ditam o que deve ser bom ou mal.
A questão da maioridade penal, que escamoteia o próprio lixo social produzido pela sociedade - ao excluir jovens da escola, de oportunidades de emprego e acesso aos bens de consumo - precisa ser vista com cuidado pelos legisladores, para que não se cometam aberrações na lei, ao responsabilizar a vítima pela próprio crime. Não que o jovem que assalta, rouba e mata não deva sofrer sanções da sociedade em que vive, onde existem regras de boa convivência no sistema jurídico-político. Porém, sob o ponto de vista social, o próprio delinquente é vítima de uma sistema social que o alija, na medida em que ele precisa usurpar do sistema legal de aquisição de bens para satisfazer desejos e necessidades. E aqui não se trata de analisar casos individuais deste ou daquele adolescente, mas da juventude como um todo. Das crianças que outrora carregamos no colo e que, jamais em sonho, imaginaríamos trilhassem tal caminho. E por que não mudar o futuro? Por que não se mudou o passado, dando-lhes melhor sorte?
Se o jovem hoje é apto a escolher o presidente do país, por que não seria para responder por seus atos? - questionam os defensores da mudança. Da mesma forma, se um adolescente é capaz de escolher o Presidente da República, por que ele próprio, assim como qualquer outro jovem, não poderá ter a chance de tornar-se presidente? A quem cabe dar-lhe a oportunidade? A questão, portanto, transcende à discussão sobre a maioridade, mas sobre a própria juventude e o papel do Estado num sistema, como diria Foucault, que vigia e pune.