Naiara Jinnks expõe fotografias feitas de dentro da periferia de Belém e Rio de Janeiro





Um olhar de dentro da periferia que faz um registro sensível de uma realidade por vezes dura e cruel: assim é trabalho de Nayara Jinknss, na mostra "Ouvindo alguém chamar", que segue em exposição na Galeriza Azimute, até 17 de fevereiro, das 9h às 20h. A mostra traz recortes de três lugares visitados pela artista: o bairro da Terra-Firme e o mercado do Ver-o-Peso, ambos em Belém, e a vila do João, no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, cidade em morou por mais de dois anos e destrincha o cotidiano destes lugares que já foram tomados por facções criminosas.
O título da exposição faz referência à música "Tô ouvindo alguém me chamar" do Racionais MCs, uma composição de Mano Brown que fala sobre a perigosa vida no mundo do crime, cercada de tensão e violência que convive com a naturalização do vício nas drogas e destinos quase sempre tristes. Para o trabalho, a fotojornalista precisou conhecer um pouco mais da estrutura dentro das organizações criminosas.  "A facção que comanda o Complexo da Maré é o Terceiro Comando Puro. Quando eu me mudei, eu fiquei pensando como eu iria fazer essas abordagens, como eu iria trabalhar se eu não conhecia as facções de Belém. Aí eu descobri que Belém é dominada pelo Comando Vermelho. Ou seja, é uma outra metodologia de facção, tem outras ideologias... Então eu comecei a estudar o CV e o Terceiro Comando pra poder alcançar algumas pessoas e desenvolver também um trabalho aqui em Belém", explica.
Em busca de construir um diálogo entre o Rio de Janeiro e Belém, Nayara percebeu, já na capital paraense, que muitos dos integrantes do Comando Vermelho trabalhavam no Ver-o-Peso, lugar em que a artista já trabalhou quando mais jovem. "Eu fui atrás dessas pessoas, fui tentando entender através de sinais como chegar, porque às vezes eles fazem um símbolo com as mãos e a gente já tem que tá ligada... Ou então um picho já dá pra identificar que aquele território tá dominado por certa facção. Então eu fui atrás dessas conexões e é que aí acontece essa exposição, tem um pouco de tudo", detalha.
Ela conta que muito do que é refletido no trabalho faz parte de experiências pessoais, com lugares e pessoas com quem convive ou tem alguma facilidade de aproximação. "Vou construindo os lugares com que vou trabalhar de acordo com as minhas vivências. Aonde eu vou é onde eu estou fotografando. São lugares que frequento até hoje, que vou sempre. A escolha desses personagens é de pessoas que estão ao meu redor. Só que sempre busco trazer um discussão também baseada na minha militância, nas minhas experiências, da minha família... Já tive tive tias que foram presas, que já foram envolvidas com drogas. Outros que assaltam, então é uma parada que é muito próxima a mim", detalha.
Nayara, que é formada em Artes Visuais, explica que o trabalho desenvolvido por ela também foi importante para a própria desconstrução de conceitos. "Eu acreditava que bandido bom era bandido morto, como boa parte da população brasileira. Mas eu percebo que eu não tinha muita consciência de classe, talvez por não ter pessoas que me alertassem tanto, por não ter tido uma educação, por conta da minha família. (...) O meu jeito de falar, de me desconstruir e de me entender como indivíduo também é fazendo esse recorte dessas pessoas que estão próximas, e se não estão tão próximas, vou em busca delas. Penso muito que a fotografia tem um poder educacional e com esse poder a gente precisa alcançar todo tipo de pessoa, principalmente essas pessoas que a gente marginaliza todos os dias", pontua.






Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)

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