Latino-americanos invadem as livrarias

É só dar uma volta mais atenta pelas livrarias para notar duas coisas (ou três, se contarmos a avalanche dos livros para colorir, impossível de ignorar). A primeira: nunca se viu tantos títulos latino-americanos nas prateleiras. Há até nichos específicos para os volumes, o que soaria improvável anos atrás, quando as lojas exibiam poucas novidades escondidas entre as reedições dos clássicos do realismo mágico. A segunda: a oferta ficou muito mais diversificada. Apesar de a maioria dos lançamentos ainda ser de autores chilenos e argentinos, o leitor já encontra volumes de países cuja literatura é completamente desconhecida aqui, como Honduras, Guatemala ou Equador. As informações são da Agência O Globo.
Só este mês, chegaram às estantes “Meus documentos” (Cosac), uma coleção de contos do chileno Alejandro Zambra, cuja obra se consolida no país (este é seu quarto livro publicado no Brasil); e “Micróbios” (Cosac), também uma reunião de contos, do argentino Diego Vecchio, autor convidado para a Festa Literária de Paraty (Flip), que começa amanhã (1º) e vai até 5 de julho. Isso sem contar “O uruguaio” (Rocco), do dramaturgo e cartunista argentino Copi, pseudônimo de Raul Damonte Botana, lançado no mês passado.
A buena onda latino-americana não para por aí: no segundo semestre, serão lançados “A linha azul” (Alfaguara), primeiro romance da colombiana Ingrid Betancourt, que foi prisioneira das Farc por seis anos; “A sinagoga dos iconoclastas”, do argentino J. Rodolfo Wilcock; e “Prosas apátridas”, do peruano Julio Ramón Ribeyro - ambos pelo selo Otra Língua, da Rocco, criado em 2013 e responsável pela divulgação de literaturas praticamente desconhecidas no Brasil, como as do Equador, da Guatemala, de El Salvador ou de Honduras.
Uma das explicações para essa renovação do interesse editorial, dizem autores e editores, pode ser o sucesso do livro “2666”, do chileno Roberto Bolaño, que virou febre no mundo depois da sua morte, em 2003: “Parecia ser o boom de um homem só, mas isso tem se provado mais amplo. O autor de “2666” dinamitou de vez a compreensão de que apenas García Márquez e Vargas Llosa conseguiam atrair a atenção do público. No rastro dessa novidade, até mesmo autores contemporâneos deles que nunca obtiveram muito sucesso por aqui estão sendo revistos, como Bioy Casares (cuja obra completa sai pela Biblioteca Azul), ou Juan Carlos Onetti (editado pela Planeta e Companhia das Letras). Os próprios J. Rodolfo Wilcock, Copi e Julio Ramón Ribeyro, que estamos recuperando, são todos da mesma geração obscurecida pelos autores do boom”, opina Joca Reiners Terron, curador do selo Otra Língua.
O autor peruano Jeremías Gamboa, que teve seu primeiro livro (“Contar tudo”) lançado no Brasil há dois meses, pela Alfaguara, concorda com Joca: “A literatura latino-americana voltou a despertar interesse em âmbito mundial depois do êxito de “2666” e de “Os detetives selvagens” (também de Bolaño). E depois do Nobel de Vargas Llosa, sem dúvida. Quando escrevi o romance jamais podia imaginar que fosse publicado no Brasil.”
Para Lívia Deorsola, editora da Cosac, o movimento reflete o bom momento de produção cultural dos países vizinhos: “A América Latina está fervendo em literatura. E não só mais nos eixos esperados, como Santiago e Buenos Aires. O México, por exemplo, é a bola da vez, estão produzindo muito por lá”, comenta ela. “Mas não é um movimento homogêneo: não dá mais para confundir a literatura colombiana com a argentina, enfiar todos os países no mesmo saco. Depois do boom latino-americano dos anos 1960 e 70, os autores ficaram muito tempo tentando se encontrar. E conseguiram. Hoje, já não há qualquer necessidade em ficar ligado a esse cânone. Também é preciso lembrar que, depois do 11 de Setembro, a potência e a hegemonia americanas foram muito questionadas, e nós começamos a olhar mais para o lado, a observar mais o que estava perto. Estamos recuperando um leitor muito acostumado a ler García Márquez. Nosso próximo passo é diversificar os países, não queremos só ficar no eixo Santiago-Buenos Aires. O Zambra, por exemplo, nos deu segurança para apostar também em novatos.”
E o que traz essa nova geração de autores, afinal? Joca arrisca: “Tenho impressão de que mesmo a ficção anglófila mais inventiva se apoia em formatos bastante conhecidos previamente, quando não estritamente realistas, como romances longos com personagens redondos, enquanto sua similar hispânica até pode ser realista, como todos os que lançamos, mas eles fogem a qualquer fórmula, baseada quase sempre na forma curta, nem sempre com personagens e uso convencional de diálogos, por exemplo, e invariavelmente fragmentária.”
O título do novo livro de contos de Alejandro Zambra, “Meus documentos”, sugere referências autobiográficas. Nos textos curtos, que misturam temas como solidão, memória, futebol, ditadura e religião, o escritor não desmente nem entrega: “Começou como uma reunião de contos dispersos, e foi se convertendo em livro. São 11 contos, queria que fossem como 11 filhos, todos ligeiramente parecidos e desiguais”, compara Zambra, que se declara um claricelispectoriano convicto, desde a adolescência. “Escrevi todos simultaneamente, entre 2011 e 2012. No início, quando comecei a escrever, me interessava a maneira de filtrar a experiência. Que houvesse uma carga em cada verso, mas que não fosse, de forma alguma, literal. Desconfiava muito do ‘eu’. Não que agora confie, de certa forma, mas o que eu queria era lograr uma expressão liberada de obrigações referenciais. Busco uma certa multiplicidade, sempre, uma multiplicidade dentro de uma pretendida unicidade. A resposta perfeita para a pergunta (se o livro é autobiográfico) seria este belo poema de Jean Tardieu que termina dizendo: ‘Não sei, não sei, não sei’. Acredito, por exemplo, que a ficção e a verdade não sejam antônimos, de forma alguma, em nenhum sentido. E parece-me incompreensível que se prescinda de tantos aspectos da experiência quando se conceitua o realismo.”
Zambra admite, ainda, que a confusão é proposital: “É um efeito que trabalhei em alguns textos: se toda novela é autobiográfica (eu estaria de acordo com isso, admitindo que nenhuma novela é uma autobiografia), também é certo que o estilo da primeira pessoa provoca essa confusão, trabalha essa tensão. Em todo caso, não acredito que ‘Formas de voltar para casa’, que está em primeira pessoa, seja mais autobiográfica do que ‘Bonsai’ ou ‘A vida privada das árvores’, que estão em terceira. Nem mais, nem menos. Do que mais gosto neste livro é que ele representa os vários escritores que sou. Os romances geram uma imagem mais fechada, aqui estão presentes várias caras, vários tipos de escrita que, acredito, correspondem a um mesmo sujeito, que não é sempre o mesmo. Interessa-me mais essa multiplicidade.”
Livro para colorir “genérico” é novo fenômeno
Fenômeno de vendas no Brasil, os livros de colorir, considerados a salvação do mercado editorial brasileiro com recorde de vendas, prometem relaxar, aliviar o estresse e até evitar o Alzheimer. Agora, depois do sucesso, eles começaram a conquistar outros espaços além das livrarias e ganharam versões “genéricas” de editoras, ao invadir prateleiras de lojas populares em todo o Brasil. Os primeiros livros para colorir chegaram ao Brasil no final de 2014 com dois títulos da escocesa Johanna Basford e já se tornaram best-sellers no país. Atualmente, outras editoras aproveitaram a fatia do mercado e também lançaram suas versões. Para embarcar na onda do novo fenômeno comercial do Brasil, as lojas populares de departamentos colocaram os genéricos à venda, por 75% menos do que o preço original (de R$ 40,22 para R$ 9,90).
O gerente executivo de uma rede de lojas populares do interior de São Paulo, com unidade em Piracicaba, afirmou que a procura tem sido grande. A unidade contabilizou que as vendas dos livros para colorir genéricos,  vendidos por R$ 9,90, já representam 40% do faturmento do setor de livraria e papelaria do estabelecimento. A loja ainda informou ao site G1 que vendeu 650 unidades nos últimos 30 dias em Piracicaba. O comércio dos livros também alavancou as vendas de lápis de cores. Já em uma livraria religiosa de Piracicaba, os catálogos também ajudaram a aumentar o faturamento.
A professora de idiomas Ana Luiza Alves, de 37 anos, sempre gostou de colorir e quando descobriu os livros retomou o hábito. “Costumo pintar todo dia antes de dormir, mas programo o tempo, pois senão fizer isso perco a noção. Quero que seja uma terapia, não um vício”, disse. A professora afirmou que os livros a deixam mais calma. “Sou muito agitada e quando começo a pintar, me desconecto do corre-corre e mergulho nos desenhos e nos detalhes escondidos. Parece que o cérebro fica mais atento”, ressaltou. A auxiliar adminstrativa Amanda Zabely Soares Sgrignero, de 35 anos, também pinta todos os dias quando chega do trabalho. “Eu faço isso na companhia da minha filha. Pintar com ela é a a melhor coisa. É um momento mágico, só nosso, discutimos cores e aí saem conversas que nem imagino”, relatou.
O estudo do 3º Painel de Vendas de Livros do Brasil mostrou que o preço médio do livro, entre janeiro e maio de 2015, caiu 2,39% - de R$ 40,22 em 2014 para R$ 39,26 em 2015. O desconto médio dado pelos vendedores acumulado no período também diminuiu - de 20,78% em 2014 para 16,79% em 2015. Em junho, o Snel havia divulgado o estudo Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, da Fipe/USP, que apontou queda do mercado editorial em 2014.