Com Versando sobre o Cotidiano




TODOS OS MENINOS


 Por: Eleci Terezinha Dias da Silva

Um dia, quando eu era criança, sem que ninguém soubesse, tomei uma decisão.  Colhi cheiro verde na horta de minha mãe e organizei pequenos maços que dispus com cuidado em uma cesta e fui para a rua vender. Timidamente eu oferecia para as pessoas que passavam. Consegui alguns trocados que, orgulhosa, entreguei aos meus pais. Na minha cabeça e no meu coração, aquele ato poderia ajudar a colocar alimento na nossa mesa. Meu pai, com toda a sabedoria de quem sabia escrever seu nome e dominava as operações básicas da matemática pois sabia, como poucos, multiplicar o amor, dividir o pão, somar a esperança e diminuir a dor, naquele dia, fez-me entender o valor do estudo. Aquela foi minha única venda e a cesta nunca mais recebeu maços de cheiro verde... em seu lugar, lápis, borracha e papel de pão para os rabiscos cotidianos. O caderno era tão especial que com ele me tornei doutora.
Certa noite, saindo do trabalho.
- Quer comprar pipoca moça?
Tamanho de 5, disse-me já ter 8 anos enquanto equilibrava uma caixa de isopor que mal cabia em seus braços.  Olhos assustados contrastavam com o ar de corajoso. Peito estufado como um pássaro quando se põe a cantar, disse solene:
- Custa só 1 Real....
Respondi com um sorriso e abri a caixa. No fundo dela avistei 5 minguados pacotes de pipoca, ainda quentes, amarrados com uma fita colorida em um laço feito com esmero, certamente por mãos adultas. Laço que poderia adornar a caixa de uma fina joia, adornava um pacote tímido de pipocas. Brancas e leves, como se fossem pedacinhos de nuvens daquelas que avistamos no céu nas tardes mornas da vida, quando os ventos brincam de as amontoar em formas mil e nos pegamos, novamente como crianças, a descobrir formas nas nuvens dos céus.
Contou-me onde mora e disse-me como orgulho saber até o número da casa. Cotou-me ainda que vive com a avó.  É ela quem faz as pipocas.
Poderia chamá-lo de João, Pedro, Marcos, Antônio, Canarinho, Sabiá ou Curió. O nome não importa. É apenas mais um no meio da multidão. Todos com histórias tão iguais que até se confundem. A diferença talvez esteja apenas no que vendem... pipocas, amendoins, balas, castanhas. Já os destinos? Ah! Os destinos são sempre tão iguais.
Quando lhe alcancei o dinheiro, seus olhos brilharam e seu coraçãozinho parecia pular no peito....
- Viva!!! Já posso ir pra casa!?.... obrigado moça.... E saiu saltitando com a caixa grande e vazia nas mãos e as sandálias rotas nos pés. Carregava a caixa como se fosse seu mundo: grande e vazio.
Voltei para casa pensativa, carregando 5 pacotes de pipoca. Alguns eu distribuí pelo caminho, como se pudesse repartir os meus pensamentos.
Por longas horas o rosto daquele menino me acompanhou parecendo querer tirar-me alguma coisa. O quem sabe devolver? Até que, finalmente, encontrei-me no fundo daquele olhar e de lá tirei o fio que me faltava para costurar essa história.
É quase Natal....
Renovamos esperanças e acendemos sorrisos. Perdoamos os que nos ofenderam ao logo do ano e partilhamos alegrias.  O sentimento que nos move e, ao mesmo tempo nos irmana, é a Esperança que se renova a cada ciclo que se inicia.
A cada etapa da vida vamos nos renovando como seres em constante transformação. O calendário da vida nos proporciona a oportunidade de revermos nossa caminhada e ajustarmos as rotas quando necessário.
Uma boa forma de mantermos a esperança é olhar para dentro de nós mesmos com os olhos do coração e, libertos da miopia afetiva que muitas vezes embaça a nossa visão do mundo e de nós mesmos, percebermos como e em que podemos mudar.
Sempre haverá algo a mudar, a aperfeiçoar. Algo que não fazíamos e que podemos começar a fazer agora, por nós mesmos, por nossas famílias, por nossos amigos, por nossa cidade, por nossas crianças, por nosso planeta que é a nossa casa comum. São pequenos gestos que podem ser expressos em uma palavra de afeto e de incentivo, um elogio, um olhar mais cuidadoso com quem está perto, um sorriso, uma gentileza às pessoas que cruzam os nossos caminhos mesmo quando não as conhecemos.
Sim... É quase Natal.
Lembrando da Esperança, do Menino da Manjedoura, do Menino das Pipocas, da Menina do Cheiro Verde e de tantos outros sem nome, sem rosto, tristes e solitários vagando pelas ruas, vou fazer um pedido especial ao Papai Noel: que proteja a todos e que também traga um lápis e um caderno especial que liberte esses pássaros de suas “gaiolas” pois como disse Mario Quintana “nem todo o canto é de alegria, mas todo o voo é de liberdade”.

A autora é Psicóloga, Jornalista, Mestre em Administração e Doutora em Comunicação. Professora da Universidade Federal Rural da Amazônia – Campus Capanema.










Texto Publicado na Ed 547 do Jornal de Capanema

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