CHICO BUARQUE VENCE PRÊMIO CAMÕES DE LITERATURA POR CONJUNTO DE SUA OBRA



O escritor e compositor Chico Buarque, de 74 anos, foi premiado como vencedor da 31ª edição do Prêmio Camões, anunciado nesta terça-feira 21 na sede da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
Escolhido por unanimidade pelo júri, Chico é o 13º escritor brasileiro premiado com o Camões pelo conjunto da obra, o que inclui, além de romances como "Leite derramado" e "Benjamin", suas letras de música e peças.
Criado em 1988 pelos governos brasileiro e português, o Prêmio Camões de Literatura tem o objetivo de consagrar, pello conjunto da obra, um autor de língua portuguesa que tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural lusófono.

BASTIDORES

O fotógrafo Leonardo Aversa , que participou da produção do disco "Caravanas", de 2017, relata os bastidores das gravações:
"Assim que soube que o Chico estava gravando um novo álbum comecei a chatear a assessoria dele: preciso registrar isso, é a história da música brasileira, um documento para a posteridade etc, argumentos lógicos que escondiam o desejo de fã. Não se afobe não, que nada é pra já, me responteram gaiatamente.
Deixa estar, pensei, amanhã há de ser outro dia.
Comecei a gostar das musicas do Chico ainda criança. Do Chico e do Fluminense. Meus pais eram fãs e os amigos, tricolores. Era o tempo da ditadura e o default entre os adultos que me cercavam era ser de esquerda e gostar do Chico. No futebol, só dava a Máquina Tricolor. Era um mundo bem diferente do atual, a direita raivosa ainda morava nos quartéis, oshaters não tinham escapado dos bueiros e o Fluminense ainda não precisava vender as calças para comprar as chuteiras. Milton e Brandt descobriram as coisas nas asas da Panair . Eu descobri o futebol com Rivellino e Doval e tudo o mais nas letras do Chico. Foram excelentes professores.
No fim de 2016 a assessoria avisou: ele topa o registro. Pode deixar, respondi, vou fotografar com o zelo de quem leva o andor.

Chico Buarque durante show de abertura de sua turnê
Chico Buarque durante show de abertura de sua turnê "Caravanas", em Belo Horizonte Foto: Leo Aversa / Divulgação

Nas primeiras sessões fiquei no respeito reverencial, afinal ali estava não só o Chico como a banda dele, que é praticamente uma seleção de 70 da música brasileira. Pensei até em usar o vossas excelências, seria o adequado, mas achei que isso poderia soar sarcástico e a minha fama no terreno da ironia e do sarcasmo não é boa. Então fui administrando a tietagem e a admiração, tentando fazer o que manda o manual do fotógrafo, que é passar despercebido.
Comecei durante a gravação de Massarandupió, que ele compôs com o Chiquinho, seu neto, aquele menino que dez anos atrás fez o avô cometer a heresia de ver um jogo na torcida do Flamengo. A música é linda o agora rapaz nem parece rubro negro. Chico e Jorginho Helder, o baixista, riam, faziam piadas, todos se divertiam. Menos eu, ainda preocupado em não atrapalhar e, principalmente, não falar bobagem.
Mas gravação é um monte de gente trancada num estudio durante horas, dias, e, como todos sabem, intimidade é uma doença terrível e contagiosa, então eu logo estava dando pitacos nos debates sobre o Brasileirão, falando mal do Flamengo para o Vinicius França, empresário, produtor e flamenguista roxo e discutindo a escalação do Fluminense com o próprio Chico.
Fiel à minha natureza de macaco em loja de louça, não parei por aí. Durante a gravação de “Caravanas” o Mario Canivello, que faz a assessoria de imprensa, sugeriu um batidão funk no meio da musica. Houve um longo debate no estudio sobre a idéia e eu não resisti a dar a minha opinião, que ninguém ouviu. Ou fingiram não ouvir, o mais provável. Tudo bem, quando o Rio afundar de vez — falta pouco — e os escafandristas forem explorar os desvãos do estudio vão encontrar os ecos e os vestígios das minhas estranhas opiniões. Meus bisnetos vão achar que fui co-autor de uma musica do Chico Buarque.


A fase seguinte foi a capa do álbum. Para o Chico, que destesta posar para fotos, uma imagem qualquer da gravação já daria conta do recado mas eu queria uma algo diferente. A minha proposta era um diálogo com a capa do terceiro disco dele, de 67, que tem uma foto do David Drew Zingg. Chico, Mario e Vinicius gostaram da idéia mas o que o entusiasmou de verdade o compositor foi saber que nem ia precisar sair de casa para ser fotografado. Não é que fique de má vontade ou algo parecido mas ele sente um desconforto tão grande que é até comovente, igual a criança em dia de vacina. Resumi a participação dele na própria capa a não mais do que quinze minutos. Para isso aproveitei a presença da Carminho e pedi para ela servir de dublê do Chico na foto. O auxílio luxuoso funcionou. Quando ele sentou no banquinho já estava tudo pronto. Em quatorze minutos tínhamos a capa mas para a infelicidade do meu modelo a sessão teve que continuar no dia seguinte, precisávamos das fotos de divulgação, que são as distribuídas para imprensa. Mais tortura.
Meu medo é que um dia ele me cobre esse sofrimento com juros e me faça pagar dobrado.
Finalmente chegamos ao show, que estreou em Belo Horizonte. Durante o ensaio geral, enquanto o Maneco e o Hélio Eichbauer acertavam a luz e o cenário e a banda afinava os instrumentos, perguntei ao Chico se ele estava pronto. Fazer o quê? respondeu sorrindo. Pensei em citar Roda-Viva "A gente quer ter voz ativa/no nosso destino mandar" mas dessa vez tive o bom senso de ficar calado. Alguma coisa aprendi durante o ano. A estréia foi um sucesso, o teatro, lotado, quase vaio abaixo de aplausos. No fim Vinicius e eu corremos para o camarim para assistir o finalzinho do jogo onde o Flamengo disputava a Copa Sul Americana. Os rubro-negros perderam o título. Fiquei na dúvida se, como tricolor, devia zoar o Vinícius. Mas aí passa o Chico, pergunta o resultado e comenta, às gargalhadas: que pena... que pena...
Continua um excelente professor."
Fonte: Site Epoca.globo.com (Texto e Fotos)

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